Na adolescência, vivíamos animados pelas imagens da conquista de Havana, com os heróis lindos e suas metralhadoras, hippies armados, intelectuais corajosos.
Fidel era jovem, macho, libertador, barbado, tudo. Já contei esse "causo" aqui e vou repeti-lo. Vale a pena ler de novo.
Fui a Cuba em 87, com meu filme Eu Sei Que Vou Te Amar, que passou no Festival de Havana.
Mas, muito antes de ir, eu sonhava com essa ilha tropical igual à Bahia (vi depois), onde o socialismo paranoico de Stalin seria criticado e salvo. Naquela época, o socialismo era nossa religião e os operários, os santos, símbolos do futuro. Eu era editor do jornal dos estudantes da UNE e às vezes ficava até de madrugada na Lapa, na oficina gráfica. E via os operários como ídolos, sentia em sua força calma uma beleza "pura", uma grandeza simples, superior aos intelectuais neuróticos. Como amávamos os operários!... Na alta madrugada, eu os olhava imprimindo as páginas ainda no chumbo e eles, com seus braços fortes, pareciam gravuras soviéticas. Andava atrás deles, com ensinamentos políticos, elogios, sorrisos. Éramos tão fascinados pelos futuros "sujeitos" da História, os líderes hegelianos que hoje vejo que alguns até ficavam desconfiados de nosso estranho amor. "Serão bichas, esses garotos? Serão veadinhos?", pensavam com certeza. Não - éramos apenas comunistas.
Passaram-se 20 e tantos anos e, finalmente, fui a Cuba. Depois da derrocada de uma fé atrás da outra, restava-me ainda a paixão pela paixão que eu tivera por aquela utopia e seu Comandante. Comi lagostas no ex-palácio do milionário Dupont em Varadero e ouvi o jazz do grande Arturo Sandoval. Mas, minha primeira impressão foi um choque: as casas de Cuba não estavam pintadas; todas as fachadas de tradição espanhola se descascavam em verdes pálidos ou em rosa desmaiada. Senti ali o primeiro calafrio de decepção - o descuido com a beleza e a preservação. Achava que o trabalho socialista era do amor à coisa pública, o cuidado com a tradição. Não sabia ainda do burocratismo, dos privilégios da "nomenklatura", do egoísmo e da pouca generosidade do trabalho coletivo. Aliás, o que mais me entristeceu no socialismo foi a incompetência geral que percebia em detalhes, na lentidão das providências, no medo de decidir que eu via entre os funcionários. O filme Guantanamera, de Gutiérrez Alea, é um retrato perfeito da ineficiência cubana. Claro que sabia do cruel bloqueio comercial americano e da "ajuda" soviética oportunista. Além dos desmandos posteriores de Fidel, da repressão, dos fuzilados, meu sonho acabou quando vi Cuba caindo nos braços de Kruchev.
Mais aqui >Os românticos de Cuba
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