Por Erick Wilson Pereira, doutor em
direito constitucional pela
PUC/SP:
“Eu me
sinto exaurido de tanto ouvir”, disse o ministro Marco Aurélio de Mello acerca
da ação penal 470. Não está isolado na apreciação. Conteúdo insanamente
exorbitado à parte, desconfio que as sonecas e cochilos tirados por alguns ministros
decorreram de circunstâncias mais prosaicas que do prenúncio de votos prontos e
impermeáveis às sustentações orais. E que o
cansaço que acometeu os que se enfronharam na assistência das sessões
vespertinas do STF muito se deveu à inaptidão dos oradores.
Os
indícios de politização do processo e seus reflexos nas pressões sobre os
julgadores e a opinião pública exacerbaram o sentimento de ausência dos grandes
tribunos. Com exceção de uns poucos versados nas artes da retórica e da lógica
jurídica, os resultados foram decepcionantes.
As
opiniões hiperbólicas do procurador-geral, ostensivamente encampadas por uma
mídia justiceira, reforçaram a constatação do vazio deixado por acusadores e
defensores que atuaram em um passado recente. Pois não concebo a experiência e o
conhecimento jurídico e histórico de Sepúlveda Pertence ou Moreira Alves
abonarem o mensalão como “sem dúvida o maior e mais atrevido esquema de
corrupção visto no Brasil”.
Assim
como não reputo a eloquência de Vital do Rego, Raimundo Asfora ou Ronaldo Cunha
Lima, apenas para destacar figuras nordestinas – a oratória nacional ainda está
a dever homenagem aos grandes tribunos paraibanos –, aderir a certos enunciados:
“os textos produzidos pelo Ministério Público estão cheios de furos e
esparadrapos”; “meu cliente era um zero à esquerda em questões políticas”; ou
“ela era uma funcionária mequetrefe, (...), uma batedeira de cheque”.
Igualmente, não consigo imaginar Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva,
Evaristo de Moraes Filho ou Troncoso Peres tecendo comparações do gabarito de:
“essa denúncia é roteiro para novela das 8”; “até na novela das 8 a Carminha
disse que ia processar a Rita por formação de quadrilha”; “é o direito penal
nazista – se é judeu, mata”; “como esse crime prescreveu, foi criada essa
metamorfose ambulante denominada mensalão”; ou “isso aqui não é um açougue, é o
Supremo Tribunal Federal (...)”.
Com
algumas exceções, faltaram os epílogos com perorações empolgantes, a
sofisticação vocabular em harmonia com o ritmo da fala, a argumentação lógica e
a persuasão reveladora. A nossa cultura jurídica, tão rica, foi preterida pelas
menções às criações de Chico Buarque, Cazuza, Raul Seixas, Drummond e Khalil
Gibran – notáveis, nas respectivas áreas –, afora os lastimáveis cotejos com as
novelas da Globo... Restou a sensação de que o arrebatamento intelectual foi
substituído pela superficialidade, e o brilhantismo argumentativo próprio pelos
sofismas e excessos de referências.
A
propósito da mediocrização daqueles que preferem o laurel das massas, sugiro a
leitura de Joaquim Nabuco, por muitos considerado o nosso maior orador: “A
oposição será sempre popular; é o prato servido à multidão que não logra
participar no banquete". O perigo da retórica popularesca e vulgar é servir aos
objetivos e caprichos da acusação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário