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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Vale a pena ler: Para uma mulher ainda jovem

Por Maria Clara Bingemer(*)
Eduardo e Renata Campos
O país inteiro ainda não se refez da comoção provocada pelo trágico acidente ocorrido com o jatinho no qual viajava o jovem, dinâmico e promissor político pernambucano e candidato à Presidência da República, Eduardo Campos, em Santos. O aparelho explodiu na queda e não houve sobreviventes. Dos grandes olhos azuis que iluminavam o rosto de Eduardo sobraram apenas cinzas e a lembrança da entrevista concedida na noite anterior ao Jornal Nacional. Ele a encerrara dizendo: “Não vamos desistir do Brasil".

Essas palavras alentadoras e fortes ainda não haviam terminado de ressoar aos ouvidos dos eleitores quando a tragédia aconteceu. Os primeiros boatos eram incertos. Dizia-se que estavam com ele a mulher e o filho ainda bebê. Não procedia a notícia. E logo o Brasil inteiro pôde ver os cabelos grisalhos e o rosto forte de Renata Campos, sempre com o pequenino Miguel ao colo. Ela começava a enfrentar o futuro duro e nublado sem a presença do companheiro que havia estado a seu lado desde que tinha 13 anos de idade. Aquela mulher ainda jovem, de 47 anos e mãe de cinco filhos, encarava de frente a dor de viver.

Mas não é isso o que mais impressiona em Renata. Não se trata apenas de uma mulher corajosa e de fé, que vive seu luto de maneira digna e sabe confortar os cinco filhos. Trata-se de alguém que tinha com o marido não apenas uma relação de casal para dentro do espaço doméstico. Formava com ele um casal comprometido com um projeto político. Era a conselheira de sempre, a companheira ouvida a todos os momentos, aquela que fazia acontecer as coisas ao lado do companheiro.

Pudemos olhar bastante seu rosto nos dias que se seguiram ao acidente, quando ainda se procuravam os restos das vítimas, faziam-se exames de DNA etc. A imprensa e a TV nos deram a oportunidade de contemplá-la inúmeras vezes. E sempre se via uma mulher ainda jovem e muito forte, que havia posto tudo – seu casamento, sua família, seu talento, sua formação intelectual – a serviço do bem comum e em um projeto político no qual acreditava. E isso continuou a ser verdade apesar e após a morte do marido.

Em seguida ao longo funeral e ao enterro cheio de cansaço e emoções, abraços e lágrimas de todas as partes, quando todos pensavam que a viúva, enfim, iria recolher-se e descansar, ei-la que comparece – emocionada, mas firme – ao evento do PSB para apoiar as candidaturas que tinham o apoio de Eduardo para o governo do estado. Cercada dos filhos, os quais nomeou explicitamente durante seu discurso, declarou sua decisão de continuar participando. Mais: disse que agora, com a ausência do marido, sentia que devia participar por dois.

Embora com a voz embargada, Renata deu a entender claramente que não pensa em se ausentar do projeto que construiu com o companheiro de tantos anos. E afirmou a presença dos filhos juntamente com sua participação.

Não quero aqui fazer propaganda partidária, nem dizer que votarei neste ou naquele, nesta ou naquela candidata ou candidato. Não analiso neste momento plataformas ou programas de governo. Desejo apenas voltar os olhos e valorizar a fibra de uma mulher que sabe fazer do doméstico e do privado o conteúdo de uma presença comprometida e participante no espaço público. Desde sua viuvez, sua comovente e quíntupla maternidade, sua fragilidade de mulher que perdeu aquele que foi seu companheiro inseparável por mais de trinta anos, Renata não se encaramuja sobre sua dor. Ao contrário, consegue levantar o olhar e enxergar mais longe. E percebe que há todo um povo pelo qual vale a pena continuar lutando.

Na história da humanidade, podemos encontrar muitas mulheres que expressaram essa refinada e difícil arte de fazer a passagem do doméstico ao público e mudar destinos e trajetórias previamente traçadas. Desde a rebelde e frágil Antígona, na Grécia antiga, até as mães e avós da Praça de Maio na Argentina dos nossos dias, essas mulheres exibiram publicamente sua dor, seu luto, sua orfandade no espaço público. E fizeram tremer impérios e ajudaram a derrubar ditaduras.

Quando Jesus de Nazaré exalava seu último suspiro na cruz, as mulheres que o seguiam desde a Galileia estavam a seu lado. E foram igualmente elas que saíram proclamando que aquele que fora morto crucificado estava vivo e as enviava a anunciar essa Boa Notícia.

Renata Campos pertence a essa linhagem de mulheres que têm aliança indestrutível com a vida e para quem a morte dói mas não paralisa. Que sua coragem nos inspire e ajude a continuar acreditando que vale a pena não desistir do Brasil.

(*) Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga e professora do Departamento de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de vários livros como 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) e 'O  mistério e o mundo – Paixão por  Deus em tempo de descrença' (Editora Rocco) - agape@puc- rio.br

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