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sábado, 22 de novembro de 2014

Vale a pena ler: Liberdade e libertinagem da imprensa

Por Dalmo de Abreu Dallari, jurista - Jornal do Brasil
A liberdade de imprensa é reconhecida e garantida como um direito fundamental dos povos democráticos, pois, além de contribuir para a divulgação de fatos que são do interesse das pessoas ou de toda a cidadania, é também um veículo de expressão de ideias, de grande valia para o debate público de críticas e propostas visando o aperfeiçoamento da convivência num ambiente de liberdade. A par disso, a imprensa livre tem também um papel de grande relevância na denúncia de ações antissociais, de abusos contra os direitos fundamentais da pessoa humana, assim como de práticas de corrupção que degradam as instituições e acarretam prejuízos de natureza moral ou material a pessoas, segmentos sociais ou mesmo a toda a sociedade. Por tudo isso, é importante que seja garantida a liberdade de imprensa, como um direito fundamental.

Mas, a par do reconhecimento do grande valor social da liberdade de imprensa, é necessário considerar também a responsabilidade da imprensa, de natureza ética e jurídica, tendo em conta os tremendos prejuízos aos direitos individuais e sociais que podem decorrer e efetivamente decorrem, como tem sido muitas vezes comprovado do abuso da liberdade, do uso indevido, por irresponsabilidade ou má-fé, da divulgação de fatos, assim como do direcionamento malicioso das notícias e dos comentários visando a proteção ou promoção dos interesses e das convicções dos “donos da imprensa”.

Bem ilustrativo dessa libertinagem é a exploração, exagerada, irresponsável e mesmo, em muitos casos, ilegal, que a imprensa tem feito da delação premiada. Essa prática, acolhida recentemente na legislação brasileira, é de conveniência muito discutível, a partir de aspectos éticos, pois estimula a prática de traição em troca de benefícios pessoais, mas também por aspectos jurídicos de grande relevância, como a credibilidade do delator, que é, na realidade, um delinquente confesso em busca de menor punição ou mesmo de impunidade, assim como da verdadeira independência do delator, que está sofrendo alguma espécie de coação, mesmo que se trate de coação legal, como ocorre no interrogatório de um acusado preso ou ameaçado de prisão.

A par desses aspectos, tem ficado evidente que o sigilo, em que deve ocorrer a delação, que, entre outras coisas, pode ser mentirosa, não tem sido respeitado, ficando evidente, em muitos casos, que autoridades públicas, que podem ser policiais, membros do Ministério Público ou magistrados, não resistem à tentação de figurarem na grande imprensa e de divulgarem o que deveria ser mantido em sigilo e, ou por vaidade ou por algum outro fator, que pode ser uma convicção ou algum interesse, permitem que a imprensa acompanhe os depoimentos ou divulgam imediatamente o que foi delatado, mesmo que sem qualquer comprovação.

Note-se que é comum no noticiário sobre as delações o uso do condicional, informando-se que alguém “teria recebido vantagens ilegais” ou “seria parte do esquema de corrupção”, ou que alguma autoridade “provavelmente teria conhecimento da ilegalidade”, revelando-se aí a ânsia da divulgação com a consciência de que ela pode não ser verdadeira, usando o condicional para defender-se de alguma possível responsabilização por noticiar fato inverídico ou sem comprovação.

Além de todos esses aspectos, que devem ser considerados ao se discutir a necessidade de um marco regulatório da imprensa, têm ocorrido também abusos da liberdade, causando graves prejuízos aos direitos ou à dignidade de pessoas. Assim, acaba de ser noticiado que o monitor de um colégio de uma cidade da Grande São Paulo foi preso com base na acusação de que teria abusado de três meninas durante uma aula de educação física. O único fundamento da ação policial e da denúncia do Ministério Público é o depoimento de três meninas de 3 anos da idade, havendo, entretanto, uma negativa da direção da escola quanto à possibilidade de que isso possa ter ocorrido, além de depoimentos unânimes de professores da mesma escola em favor do acusado, referindo-se mesmo à impossibilidade prática de que isso tenha ocorrido e considerando fantasiosos os relatos das meninas. Apesar dessa fragilidade da acusação, a imprensa já divulgou o fato com destaque, dando, inclusive, o nome do acusado.

Esse comportamento da imprensa traz à lembrança o que ocorreu em São Paulo em 1994, quando a TV Globo, no Jornal Nacional, divulgou com estardalhaço uma reportagem acusando o proprietário da Escola Base de educação infantil, sua mulher e um casal de sócios proprietários da escola de praticarem abuso sexual das crianças durante o horário de aula. Depois se comprovou que a história era absolutamente falsa, mas os denunciados já haviam sofrido tremendos prejuízos, irrecuperáveis. O caso foi ao Judiciário, ficando comprovada a falsidade com absoluta segurança. E a imprensa foi obrigada a reconhecer publicamente o seu erro, o que fez muito discretamente para não prejudicar sua credibilidade e sua reputação de guardiã da moralidade pública.

Por tudo isso, a liberdade de imprensa, que é um direito fundamental não só da imprensa mas de todo o povo, não pode ser confundida com a falta de responsabilidade, com o direito de praticar abusos, por irresponsabilidade ou má-fé. A liberdade de imprensa não pode ficar submissa à liberdade de empresa numa sociedade em que o sucesso econômico tem absoluta prioridade, como se a exploração da imprensa fosse uma atividade econômica isenta de responsabilidade ética e social. A sociedade necessita da imprensa livre para o enriquecimento dos conhecimentos das pessoas quanto a fatos e práticas que influem na vida individual e social e para o aperfeiçoamento da convivência, visando a efetivação de uma sociedade democrática e justa. Mas é preciso ter consciência de que a garantia da liberdade de imprensa não pode ser usada como pretexto para a libertinagem da imprensa.   

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