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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Vale a pena ler de novo: Os pavores da Semana Santa

Por José Wilson Malheiros - membro da Academia Paraense de Letras
A Semana Santa me traz muitas recordações. Os padres vestiam paramentos ritualísticos de cor púrpura. As imagens dos santos, dentro das igrejas, eram escondidas por panos roxos e tudo isso transmitia uma atmosfera de mistério e de pavor.

Na sexta santa o som das matracas parecia lúgubre, como se espalhasse a morte dentro dos templos e nas vias públicas.

Em Santarém eu cantava no Coro da Matriz o Cantochão, as músicas de J.S. Bach, do meu pai e de Palestrina e assistia as inacabáveis cerimônias do lava-pés e as celebrações da sexta feira que me enchiam a imaginação de criança com imagens escabrosas de medo do castigo divino, ainda mais que eram rezadas e cantadas em Latim.

Minha vó Aninhas gostava de frequentar as Vias Sacras. Quando chegava em casa vinha chorosa, em silêncio, contrita.

Na quinta feira santa e na sexta da paixão as pessoas ficavam com cara de enterro, não riam, quase nem conversavam nem saíam de casa, não comiam carne, pois tudo o que fizessem era pecado.

Ninguém reservava com antecedência, nas agências de viagem, as excursões para as praias, onde a bebida, os bacanais e a luxúria profanam com naturalidade tudo o que – para eles - outrora era ou parecia ser sagrado, intocável.

No dia da paixão as crianças não podiam fazer barulho, de maneira nenhuma. Tínhamos que falar baixo, não podíamos jogar bola, nem ligar o rádio, nem rir ou chorar. Quem ousasse desobedecer a essa férrea disciplina era castigado no sábado de aleluia.

Tudo era preparado para nos acachapar com mais do que respeito: um pavor desmedido. Diziam que na sexta feira santa uma procissão de almas desfilava pelas ruas da cidade e ninguém ousava sair de casa ou abrir as janelas.

Era uma religiosidade doentia, agourenta, psicótica, que não distinguia entre criancinhas e velhos para ameaçar com o fogo do inferno ao menor deslize.

Uma verdadeira aberração dos caminhos de amor pregados no Evangelho pelo crucificado e pela alegria profunda que exala das Epístolas do Apóstolo Paulo.

O mais estranho de tudo isso é que o povo assumia essa neurose toda e parecia gostar de ser lambado, humilhado, repreendido.

Ainda me recordo que todo ano, na frente da casa de meu tio Miguel, era montado um altar onde a procissão sempre parava para rezar e escutar o lindo canto da Verônica.

Todos ficavam emocionados quando ela cantava e exibia em público o Santo Sudário com a face do cristo sofredor: mistério, beleza, tristeza, medo.

Mas o tempo passou, chegou a televisão, a internet e as pessoas afastaram-se das coisas sagradas, quer dizer, da maioria dos mitos que nos mantinham no cabresto.

Hoje em dia, apesar dos pesares (nem tudo é maravilhoso, infelizmente), a época da inocência já passou. Sabemos que Deus é liberdade, é amor e não é aquele verdugo cruel pronto a cortar as cabeças ao menor sinal de “desobediência”, nem exige dinheiro para demonstrar que é nosso Pai de verdade.
Nota: Este artigo foi publicado por este blog em março de 2010

2 comentários:

  1. Muito pertinente esta crônica, vinda de um católico fervoroso como meu amigo José Wilson. Mas pena que as igrejas continuem incutindo medo nas pessoas, insistindo sobre a existência do capeta, do fogo do inferno, pregando essa coisa idiota de que Deus fez o homem do barro através de um sopro divino e torcendo o nariz para a evolução da espécie e para a genialidade de Charles Darwin. Galileu Galilei quase morre na fogueira por ter afirmado que a terra girava em torno do Sol e essa verdade só foi reconhecida oficialmente pela igreja 500 anos depois com João Paulo II. Darwin, abominado pelos evangélicos por desfazer a história de caronchinha do criacionismo, está passando pelo mesmo processo de Galileu. Quanto tempo mais será que essa babaquice de criacionismo vai durar? Outros 500 anos? Ademar Amaral

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  2. Caro Amigo José Wilson
    Excelente texto. São recordações inesquecíveis de nossa época, vale a pena recordar.
    Um grande abraço
    Emerildo Bentes Pereira

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