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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Vale a pena ler: Belo Monte e a luta por uma usina necessária

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Por Paulo Moreira Leite, enviado especial às obras de Belo Monte, em Altamira, no Pará - Brasil 247
Num país que não se livrou do trauma do apagão de Fernando Henrique Cardoso e torce o nariz diante do salto da conta de luz definido no segundo mandato de Dilma Rousseff, a visão convencional sobre Usina Hidrelétrica de Belo Monte é um espanto. No final de abril, 77% das obras civis da usina — que já envolveram 2,3 milhões de metros cúbicos de cimento e 88.820 toneladas de aço — estavam concluídas. Embora tenha ocorrido um atraso de oito meses na conclusão de uma casa de força secundária, os responsáveis pela hidrelétrica rejeitam toda hipótese de perder o prazo final para entrega e funcionamento da 24a. e ultima turbina, em janeiro de 2019, data definida por contrato.

O planejamento e a construção de Belo Monte têm sido acompanhados, há três décadas, por um coral de críticas e denúncias em tom apocalíptico, embora sua construção seja um investimento fundamental para uma sociedade na qual 130 milhões de pessoas já possuem telefone celular, onde a iluminação precária em bairros da periferia urbana constitui uma tragédia que atinge escolas, hospitais, empresas e residências. Localizada a 55 quilômetros de Altamira, no Pará, a usina representa o maior investimento em infraestrutura do país em muitos anos. Quando ficar pronta, será a segunda maior hidrelétrica brasileira — abaixo apenas de Itaipu — e a quarta do mundo. Sua energia chegará a 17 Estados, alimentando 18 milhões de residências, ou 60 milhões de pessoas — população equivalente à soma dos moradores de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2010, quando os trabalhos efetivamente tiveram início, projeções da Universidade de Brasília diziam que, em função do crescimento da população, do avanço da urbanização e da expansão da economia, em 2020 o país estaria diante de um déficit de energia equivalente a toda eletricidade consumida pelo Estado de S. Paulo.

Estudioso de Belo Monte desde 1987, o consultor do Senado Federal Ivan Dutra fez um curso de pós-graduação na Universidade do Tennessee, um dos principais centros hidreletricidade nos EUA. Ele é autor de uma tese de doutorado sobre Belo Monte e está convencido de que a única alternativa tecnicamente conhecida para o país produzir energia equivalente seria através da construção de 400 termoelétricas de tamanho médio — muito mais poluentes e caríssimas. “O grau de desinformação sobre Belo Monte atingiu um nível desumano,” disse Ivan Dutra ao 247.

A hidrelétrica é um marco no debate ambiental brasileiro. O país discute Belo Monte desde que, em 1989, a índia Tuíra dançou de facão em punho à frente de diretor da Eletrobrás José Antonio Muniz Lopes, que, em plena selva, fazia um discurso para anunciar o projeto de construção usina. Já no início da obra, em 2010, Belo Monte mobilizou um elenco de estrelas hollywoodianas que desembarcam no Xingu para protestar mas essa figuração era apenas a cereja do bolo. A usina já se encontrava na agenda de grandes entidades ambientais do mundo desenvolvido, com temido poder de fogo político para pressionar seus respectivos governos a liberar ou segurar recursos disponíveis para países do Terceiro Mundo em organismos internacionais, em movimentos onde a ecologia faz rima direta com economia.

No interior do Pará, a área de Belo Monte foi endereço de pelo menos 30 atos de protesto — inclusive sequestro de funcionários, ônibus incendiados e inúmeros bloqueios de estrada — em cinco anos de trabalho. Principal autoridade da Igreja católica na região, em 2012 o bispo Erwin Krautler escreveu um artigo onde denunciou ” um rolo compressor” que “está passando por cima de todos nós.” Referindo-se a um encontro com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, em julho de 2009, quando o governo promovia negociações ecumênicas para formular a versão final do projeto, dom Erwin escreveu: “a promessa que Lula pessoalmente me deu, segurando-me no braço e afirmando “Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja” foi pura mentira. Falou assim para “acalmar” o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo!”, escreveu o bispo.

É uma visão discutível. Num país traumatizado pela história de Tucuruí, hidrelétrica construída entre 1975-1984, anos finais da ditadura militar, que inundou áreas inteiras da floresta amazônica e provocou o inaceitável deslocamento forçado de pelo menos 35 000 pessoas, Belo Monte pode ser criticada ou defendida com ardor igual mas constitui um marco de obra negociada com paciência e espírito construtivo. Durante o segundo mandato, Lula fez três visitas à região. Dialogou com as lideranças locais — nem todas ficaram tão decepcionadas como dom Erwin Kautler — e, num processo que ninguém poderia definir como arrogante nem autoritário, definiu modificações grande importância, impensáveis na engenharia de um país que, em 1982, maravilhou o mundo com a inauguração de Itaipu.

Quando examinada pelo prisma da pura engenharia, sua máxima capacidade instalada, de 11.233,1 MW, até poderá ser vista pelos estudiosos do futuro como um caso de desperdício diante do que seria possível obter, caso o governo tivesse seguido métodos convencionais de construção já testados e aprovados no mundo inteiro, no Brasil, na China ou na Nigéria. No início, pensava-se em construir seis usinas no Xingu. Decidiu-se fazer apenas uma. Mesmo assim, a usina em fase final de construção irá sacrificar 61% da energia prevista no plano original para se tornar menos agressiva do ponto de vista ambiental. Outra mudança de vulto foi o uso de uma tecnologia mais amigável, chamada fio d’água. Ela evitou a construção de um reservatório imenso — o projeto chegava a 1225 km quadrados de área, só um pouco menor que o de Itaipu –, poupando moradores de grandes transtornos daí decorrentes. Sem um reservatório de grandes dimensões, recurso clássico hidrelétricas, Belo Monte não poderá fornecer energia de forma regular durante todos os meses do ano. Só poderá contar com a correnteza do Rio Xingu para mover suas turbinas, numa força que se modifica que conforme os períodos de seca e de cheia da região. No esforço para impedir o alagamento de qualquer uma das onze terras indígenas, o projeto incluiu ainda uma obra suplementar: um canal derivativo para contornar a área — o custo é de R$ 1 bilhão. Em função deste canal, dizem os construtores, “nenhum milímetro das 11 terras indígenas será alagado.”

De um orçamento inicial da obra, R$ 25 bilhões, Belo Monte irá destinar R$ 3,2 bilhões — ou 13% do custo total do projeto — a programas socioambientais, montante sem paralelo na contabilidade dos investimentos públicos ou privados do país desde que as caravelas de Cabral despontaram no litoral da Bahia. Estes programas incluem um reforço na saúde pública que já trouxe resultados concretos, reduzindo em 90% os casos de malária na região de Altamira. (Foram 9211 casos registrados em 2011 contra 838 em 2014. Nas áreas indígenas, a redução foi de 87%). Também permitiram que a cidade construísse seu primeiro programa de saneamento básico e reformasse o sistema de distribuição de águas. Nasceram projetos de moradia para a população ribeirinha, que, em ritmo desigual, está trocando barracos de madeira sobre as águas, as tradicionais palafitas (“que balançam mais do que escola de samba”, na definição de um antigo morador) por casas de 63 m quadrados em bairros com luz elétrica, água encanada e um quintal de 300 m por família.

Formada por 3000 almas, ou 1,5% da população local, mas herdeiras de uma riqueza cultural que não pode ser contabilizada em estatísticas, as nações indígenas são as mais mobilizadas e aquelas que recebem um número mais amplo de benefícios, numa situação que, como era inevitável, está sujeita a múltiplas interpretações. Como se fosse possível ignorar a violência e as tentativas de submissão que foram os traços fundamentais dos contatos históricos entre as autoridades e os primeiros brasileiros, num comportamento que começou logo após o Descobrimento e chegou aos tempos da ditadura militar de 1964-1985, os adversários da hidrelétrica denunciam as concessões à população indígena como simples herança das técnicas de cooptação através de bugigangas desprezíveis. Os defensores de Belo Monte defendem o processo como saudável medida compensatória, o melhor instrumento que a civilização desenvolveu para encaminhar conflitos permanentes. Determinadas vantagens são tão generosas, do ponto de vista material, que boa parte da população não-indígena, cerca de 98,5% dos habitantes do local, encara as medidas com inveja e até ressentimento.

Todos os meses, cada cacique da área próxima à hidrelétrica — isso inclui aldeias situadas a mais de 300 km distância — recebe bens e mercadorias em valor equivalente a R$ 30 000 por mês. Somando-se outros investimentos, chega-se a uma contabilidade surpreendente. Em cinco anos, foram feitos donativos e gerados benefícios surpreendentes:
— 711 casas
–366 barcos e voadeiras
–42 caminhonetes Hillux, da Toyota
— 387 motosseras e rossadeiras
— 98 geradores de energia
— 13 pistas de pouso finalizadas
(Esta é a primeira de uma série de reportagens sobre Belo Monte. A segunda reportagem será publicada amanhã)

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