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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

O PT inverte Shakespeare e inventa o método com loucura

Por Reinaldo Azevedo - Folha de SP
"Ah, PT, quae te dementia cepit?" Parafraseio o poeta latino Virgílio na "Segunda Écloga", embora a fala "Ah, Corydon, quae te dementia cepit?" seja reflexiva --isto é, o pastor Corydon pergunta a si mesmo: "Que loucura te pegou" ao se perceber apaixonado, não mais dono da própria vontade.

Por mais que alguns colegas analistas queiram ver método na decisão do PT de lançar o que a internet se diverte chamando de "candidatura tríplex", não tenho como não saltar uns séculos, até Shakespeare, indo do lirismo condoído à tragédia, e inverter o sentido da frase de Polônio ao comentar as maluquices de Hamlet, aquele atraente destruidor de reinos. Fica assim a minha adaptação sobre a estratégia petista: "É método, mas tem loucura".

Entrevistei nesta quinta Fernando Haddad em evento promovido por um banco de investimento. Ele é "candidato a vice" na chapa petista à Presidência, que terá Lula como titular, até que o TSE bata o martelo e declare a inelegibilidade do ex-presidente, com referendo certo do STF.

Fiz a Haddad a pergunta tão óbvia como necessária: é possível governar o país em nome de outra pessoa? É razoável um exercício terceirizado da Presidência, esteja o titular simbólico na cadeia ou no paraíso?

Como a idade e a independência me garantem a faculdade de dizer tudo, ainda que sob o preço de aborrecer as pessoas --não tendo o nariz de Voltaire, procuro ao menos o senso de pertinência impertinente--, observei, sim, que Lula foi condenado sem provas no processo do tríplex. Ruim para o Estado de Direito? Ruim. Mas há o mundo de fato. E o candidato já é Haddad, embora seja proibido reconhecê-lo nas hostes petistas.

Uma jornalista se apresentou antes do início do evento: "Sou da assessoria do presidente Lula". Meu primeiro impulso foi indagar: "Ele já chegou?" Não o fiz porque seria um constrangimento inútil a quem, afinal, cumpria as exigências metódicas da loucura.

Haddad, professor universitário, tem uma fala suave. Estendeu-se um tanto sobre a impropriedade jurídica da condenação e exaltou o que considera a capacidade de diálogo do ex-presidente, sua habilidade em estabelecer consensos, sua tolerância com o contraditório, sua disposição para ouvir etc. Afirmou, no entanto, que Lula não é seu "oráculo" --espero que Gleisi Hoffmann não se zangue por isso...--, mas alguém cuja experiência deve servir de baliza.

Ok. Ocorre que, neste momento, há petistas que já estão se incomodando com o que consideram "excesso de exposição do vice". Isso corresponderia a uma espécie de conformismo com a condenação de Lula.

O que me parece evidente, a esta altura, é que o PT atua para que a inelegibilidade de Lula, embora materializada, não esteja juridicamente definida até o início do horário eleitoral, no dia 31 deste mês.

Como o TSE tem até 17 de setembro para liquidar o assunto, o ex-presidente apareceria no horário eleitoral como o candidato do partido. Declarada a impossibilidade de sua candidatura, só então Haddad seria apresentado como o "Lula alternativo". No melhor dos mundos para os metódicos da loucura, haveria três semanas para que se operasse a transferência de milhões de votos.

Ocorre que tal processo não se dará sem que se produzam catilinárias de lesa democracia contra a legitimidade de um pleito sem Lula. A um só tempo, os petistas estarão denunciando as eleições e lançando um nome para representar o demiurgo na aposta ensandecida de que ele poderá, da cadeia, governar o país. Mas notem! Esse é o cenário favorável ao PT.

A avalanche rumo a Haddad pode não acontecer. Nesse caso, cabe a pergunta: se uma eleição sem Lula padece, segundo a legenda, de um déficit de legitimidade, que pode ser minorado com a eventual eleição de um petista, o que fará o partido sem um nome seu no segundo turno?

A resiliente truculência fascistoide e burra, despertada pela banda "dark" da Lava Jato, bate à porta do regime democrático. E os loucos metódicos do PT parecem dispostos a convidá-la para uma dança de inimigos à beira do abismo. "Ah, PT, quae te dementia cepit?"

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