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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A vida de um teatro se confunde com Santarém

"Novo" Teatro Vitória em Santarém. Foto: Manuel Dutra
A “nova” fachada do Teatro Vitória

Por Manuel Dutra (*), no blog do Jeso Carneiro

Durante os seus 116 anos de existência o Teatro Vitória, de Santarém, foi muita coisa. O que menos foi, nesse tempo todo, foi teatro. Uma história tortuosa que se confunde mais ou menos com a história da cidade que o construiu. Uma cidade cujas elites intelectuais se mostram ciosas tanto de suas belezas naturais quanto de sua cultura, mas que pouco fazem para conservar a alma de seu povo. O contrário é visível: o desprezo tanto pela cultura quanto pelas belezas com as quais a natureza premiou Santarém.

Em março próximo, um pedaço do Teatro estará novamente lá. Hoje já é possível apreciar, na paisagem, a fachada daquela que foi a mais formosa casa de espetáculos do interior da Amazônia, com as obras de recuperação quase prontas. Não será a mesma cara, mas o que está surgindo em muito se parece com o monumento inaugurado em 28 de junho de 1896.

O nome do teatro é auto-explicativo: em contraste com as gerações que vieram depois, um grupo de jovens reunidos no Clube Dramático Santareno, apresentava-se em casas de espetáculos improvisadas (houve três teatros antes do Vitória), para angariar os recursos que, somados às arrecadações em quermesses e doações de comerciantes locais, possibilitou a construção em pouco mais de um ano de trabalhos.

Quando o prédio estava quase pronto, o Clube Dramático recusou uma oferta de ajuda em dinheiro feita pela Assembléia Estadual, à época do governo Lauro Sodré, governador que mandou um representante para a inauguração.

Agora o Vitória está sendo recuperado pelo Ministério Público do Estado do Pará, após um acordo com a prefeitura, mediante um “termo de cessão gratuita de uso de bem público”, isto é, o Ministério Público Estadual passará a utilizar grande parte do prédio recuperado para as atividades específicas do órgão.

Segundo informa a este blog a assessoria de imprensa do MPE, “a obra ficou sob a responsabilidade do MP. Depois de pronta, a prefeitura terá o encargo de administrar o auditório, os camarins e a área externa. O restante dos ambientes será administrado pelo MP. Porém a prefeitura municipal terá despesas para dotar o prédio de equipamentos e custos com a manutenção, conforme ficou acordado com o MPE”.

E o que irá funcionar do Teatro Vitória? O Ministério Público responde:

Vão funcionar quatro promotorias e o Programa MP e a Comunidade. “O local foi escolhido estrategicamente pela sua localização central, o que facilita o acesso para a população, inclusive para aqueles que chegam dos municípios vizinhos, através da principal via de locomoção, o barco”.

A autora do projeto de recuperação, servidora do MP, arquiteta Vitória Rocha, explica que “tivemos a preocupação e o cuidado na elaboração do novo projeto arquitetônico, necessários para adequar os espaços e os ambientes à sua nova destinação; que este espaço fosse acessível, buscando a inclusão social. Houve a necessidade da colocação de um elevador, a construção de pequenas rampas e de banheiros que pudessem ser utilizados por pessoas portadoras de necessidades especiais.

A arquiteta Vitória explica ainda que “gostaríamos de esclarecer que não se trata de uma restauração e sim de um resgate dos traços arquitetônicos das fachadas”. Ela recorda que “ao longo do tempo, o prédio foi alterado, mutilado, quase destruído nas suas diversas reformas e do qual não existe sequer registro, plantas ou qualquer documentação que pudesse orientar uma possível restauração. A fachada foi recuperada através de fotos antigas e de uma pintura que se encontra no Centro Cultural João Fona. Tivemos o cuidado de preservar o que ainda restava dos antigos tijolos”.

Ultimamente, os restos do Teatro Vitória abrigaram a Câmara de Vereadores. Mais recentemente ainda, quando os vereadores foram para outro prédio, o velho teatro virou depósito de mercadorias que sobravam da feira ao lado e também de material deteriorado de grupos carnavalescos e, mais parecido com a finalidade original, guardava instrumentos da Orquestra Filarmônica local.

No entanto, ao lermos Paulo Rodrigues dos Santos, vemos que aquilo que deveria ser uma casa de cultura, assim funcionou até a metade da segunda década do século 20. A partir daí serviu para muita coisa, menos para apresentações teatrais. Muito longe dos tempos em que, segundo Santos, dizia-se em Santarém: “acima do Vitória, só o Da Paz, em Belém, e o Teatro Amazonas, em Manaus”, o teatro santareno abrigou cinemas, circos, foi salão de bailes carnavalescos ou não, restaurante, hospedaria e depósito de juta, cujo peso dos fardos fez desabar parte da área interna. Foi quartel e biblioteca pública, cujos livros o interventor federal Elmano de Moura Melo mandou queimar em 1969, por serem “livros velhos”.

Essa foi a destinação de um bem cultural essencial, construído pelo povo, por uma outra geração, com outro pensamento. Nos vinte e poucos anos em que funcionou como teatro, o Vitória contava com 17 camarotes, 142 cadeiras numeradas na platéia e 180 cadeiras nas gerais, totalizando algo em torno de 400 lugares.

Para uma cidade com 5 mil habitantes, vê-se aí um elevado percentual de pessoas que apreciavam os espetáculos que se sucediam, com noites em que a lotação se esgotava. Isso levou os administradores do Vitória a colocarem cadeiras extras por trás dos camarotes, segundo informa o historiador Paulo Rodrigues dos Santos.

Pelo menos a fachada agora ficará à mostra, lembrando a luta vitoriosa de uma geração passada e, ao mesmo tempo, a estupidez de gerações posteriores. É meritória a iniciativa do Ministério Público Estadual, no sentido de empreender a recuperação parcial do Teatro Vitória nos seus aspectos externos, saldando metade de uma grande dívida histórica. O ideal seria a restauração do teatro, completo, para voltar a oferecer aquilo para que foi originalmente construído.

Por que toda essa história trágica vitimou o Vitória? Os fatos passados parecem indicar que os ataques continuados não foram propriamente a um edifício enquanto coisa material, mas ao seu significado, o cultural, imaterial. Fenômenos desse tipo talvez sejam objeto de análise para aqueles que estudam as patologias sociais, históricas e contemporâneas. Talvez uma doença coletiva explique este e tantos outros casos. E, ao ser diagnosticada a sua origem, procure-se a cura, se desejarmos ter um futuro.

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* Santareno, é jornalista, professor doutor da UFPA (Universidade Federal do Pará) e blogueiro.

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