Alguns militantes, como o célebre Osvaldão, haviam recebido treinamento na China. Os futuros guerrilheiros, a maioria com boa formação escolar, foram aos poucos se instalando em pequenos municípios como São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Palestina do Pará, Xambioá e Araguatins. Surgiram como compradores de terras, comerciantes, trabalhadores rurais. Conquistaram a afeição dos moradores locais. Eram chamados de ‘paulistas’. Faziam atendimentos médicos, prestavam-se a dar aulas, tentavam incutir consciência política nos humildes habitantes das localidades.
Dividiram-se em três destacamentos. Aos poucos a movimentação começou a chamar a atenção dos militares. Entre 1972 e 1974, as Forças Armadas promoveram três campanhas militares visando eliminar a guerrilha. Foram escorraçadas na primeira tentativa. Recuaram estrategicamente na segunda, iniciando uma das maiores operações de espionagem e infiltração da história, para ao fim, vencer a última campanha.
Do lado guerrilheiro estima-se que 98 pessoas atuaram diretamente, seja pegando em armas, ou trabalhando na logística. Umas duas dezenas eram pessoas da própria região. Enfrentaram uma força de pelo menos cinco mil agentes, entre policiais militares, federais, civis e da Polícia Rodoviária Federal. Oficialmente o conflito resultou em um saldo de 84 mortos. Sessenta e nove pelo lado dos guerrilheiros, 11 do lado militar, além de quatro camponeses, que não tinham vínculo nem com um lado, nem com outro.
Dois nomes podem ser considerados cruciais para a vitória da ofensiva militar. Um é o general Antonio Bandeira, o primeiro oficial a realmente acreditar que uma guerrilha estava sendo montada na região e a defender uma ação efetiva contra os militantes do PCdoB. O outro é Sebastião Moura Rodrigues, o major Curió (foto), que comandou as ações resultantes no extermínio dos guerrilheiros e as operações de ‘limpeza’ subsequentes. “Sebastião Curió se apresentou em Brejo Grande como sendo um comprador de terra. Visitou várias fazendas na área que depois passou a se chamar “OP 3”. Ele tinha outro nome. Quando começou a operação de “caça” aos “terroristas”, passou a ser conhecido como Major Curió. Eu morava em São Domingos do Araguaia, desde o dia 5 de janeiro de 1972, quando ouvi pronunciar esse nome a primeira vez”, lembra o padre Robert de Villecourt, que atualmente mora no interior de São Paulo.
“Meu contato foi indireto. Eu fazia um trabalho de evangelização com o Mano (Emmanuel Wambergue) e as Irmãs Dominicanas que moravam em Palestina ou em São Domingos, em toda a região que vai de Marabá à Porto da Balsa”, relata Villecourt.
Segundo ele, a OP 3 era uma área privilegiada do Curió. Foi lá que ele colocou em lotes de terra os que serviram de “guia do exército”. “O povo convidava a gente para celebrar missa ou batizar as crianças. Quando começava a celebração chegavam muitos carros do Exército que paravam na frente da capela ou da casa onde estávamos. Curió mandava reunir o povo e fazia distribuição de presentes para as crianças ou de alimento. O povo, por interesse ou por medo, deixava a capela e os religiosos terminavam a celebração sozinhos”, conta. Villecourt lembra que Curió explicava ao povo que havia dois tipos de padres: os “ortodoxos”, que seriam os verdadeiros, e os padres comunistas que apoiavam os terroristas. “Ele se apresentava como católico praticante, de comunhão diária. Convidava o capelão militar que vinha de Belém para celebrar e mobilizava o povo e todas as crianças das escolas da área”.
O método de Sebastião Curió era conhecido. “Ele estimulava a delação”, diz padre Villecourt. “Um vizinho tinha obrigação de vigiar o vizinho e denunciar se tinha algum contato com os padres. Assim, um dia, uma família amiga nos convidou para celebrar a missa. Quando chegamos lá não tinha ninguém. Vimos uma mulher escondida no quintal e nós a chamamos. Ela chegou, chorando, nos suplicando de sair o mais breve possível porque o Curió tinha dito que quem recebesse esses padres comunistas perderia o seu lote e seria preso e torturado”. Na memória, padre Villecourt traz o dia 1 de junho de 1972. Foi quando o método Curió foi exposto de forma clara. “Membros do Exército chegaram à casa das irmãs, em São Domingos e me pediram para acompanhá-los, junto com a Irmã Maria das Graças. Fomos de noite para o lugar chamado “a Metade” onde nos interrogaram e olharam umas fotos. Queriam nos identificar com os que eles chamavam de “terroristas”. No dia seguinte, levaram-nos, a irmã, eu e um lutador de circo, para a Palestina. Um tenente chamado Alfredo me acusou de ser comunista e me bateu de maneira muito violenta durante umas horas”.
A freira foi poupada fisicamente, mas não psicologicamente. “Ele não bateu na irmã, mas ameaçou, dizendo que em Araguatins tinha homens especializados em tortura de mulheres. Fomos amarrados que nem porcos e jogados num jeep. Fomos até Araguatins. Quando viram o carro do bispo que estava de passagem foram nos esconder numa outra rua. À noite nos levaram de volta para São Domingos. O pior foi depois: durante dois ou três anos fui vítima de denúncia, humilhação pública...uma tortura não física, mas psicológica, insuportável”, diz o padre. “Se ele mesmo praticou a tortura ou assassinou pessoas não posso afirmar. Sei que mais de 300 pessoas foram torturadas, algumas não voltaram mais para a casa e outros ficaram loucos”, afirma o padre. Segundo ele, Curió era ou ainda é, um homem duplo. “Pode ser extremamente simpático aparentemente, que se dizia inocente de tudo e acusava seus subalternos de ser a causa de todo mal. Ele mandava fazer o mal, mas quando o povo reclamava ficava aparentemente revoltado e prometia castigar seus maus empregados. Na conversa que tive com ele, negava tudo”. (Diário do Pará - foto: arquivo)
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