A Semana Santa está se aproximando e me trazendo recordações. Os padres vestiam paramentos ritualísticos de cor púrpura. As imagens dos santos, dentro das igrejas, eram escondidas por panos roxos e tudo isso transmitia uma atmosfera de mistério e de pavor.
Na sexta santa o som das matracas parecia lúgubre, como se espalhasse a morte dentro dos templos e nas vias públicas.
Em Santarém eu cantava no Coro da Matriz o Cantochão, as músicas de J.S. Bach, do meu pai e de Palestrina e assistia as inacabáveis cerimônias do lava-pés e as celebrações da sexta feira que me enchiam a imaginação de criança com imagens escabrosas de medo do castigo divino, ainda mais que eram rezadas e cantadas em Latim.
Minha vó Aninhas gostava de frequentar as Vias Sacras. Quando chegava em casa vinha chorosa, em silêncio, contrita.
Na quinta feira santa e na sexta da paixão as pessoas ficavam com cara de enterro, não riam, quase nem conversavam nem saíam de casa, não comiam carne, pois tudo o que fizessem era pecado.
Ninguém reservava com antecedência, nas agências de viagem, as excursões para as praias, onde a bebida, os bacanais e a luxúria profanam com naturalidade tudo o que – para eles - outrora era ou parecia ser sagrado, intocável.
No dia da paixão as crianças não podiam fazer barulho, de maneira nenhuma. Tínhamos que falar baixo, não podíamos jogar bola, nem ligar o rádio, nem rir ou chorar. Quem ousasse desobedecer a essa férrea disciplina era castigado no sábado de aleluia.
Tudo era preparado para nos acachapar com mais do que respeito: um pavor desmedido. Diziam que na sexta feira santa uma procissão de almas desfilava pelas ruas da cidade e ninguém ousava sair de casa ou abrir as janelas.
Era uma religiosidade doentia, agourenta, psicótica, que não distinguia entre criancinhas e velhos para ameaçar com o fogo do inferno ao menor deslize.
Uma verdadeira aberração dos caminhos de amor pregados no Evangelho pelo crucificado e pela alegria profunda que exala das Epístolas do Apóstolo Paulo.
O mais estranho de tudo isso é que o povo assumia essa neurose toda e parecia gostar de ser lambado, humilhado, repreendido.
Ainda me recordo que todo ano, na frente da casa de meu tio Miguel, era montado um altar onde a procissão sempre parava para rezar e escutar o lindo canto da Verônica.
Todos ficavam emocionados quando ela cantava e exibia em público o Santo Sudário com a face do cristo sofredor: mistério, beleza, tristeza, medo.
Mas o tempo passou, chegou a televisão, a internet e as pessoas afastaram-se das coisas sagradas, quer dizer, da maioria dos mitos que nos mantinham no cabresto.
Hoje em dia, apesar dos pesares (nem tudo é maravilhoso, infelizmente), a época da inocência já passou. Sabemos que Deus é liberdade, é amor e não é aquele verdugo cruel pronto a cortar as cabeças ao menor sinal de “desobediência”, nem exige dinheiro para demonstrar que é nosso Pai de verdade.
Na sexta santa o som das matracas parecia lúgubre, como se espalhasse a morte dentro dos templos e nas vias públicas.
Em Santarém eu cantava no Coro da Matriz o Cantochão, as músicas de J.S. Bach, do meu pai e de Palestrina e assistia as inacabáveis cerimônias do lava-pés e as celebrações da sexta feira que me enchiam a imaginação de criança com imagens escabrosas de medo do castigo divino, ainda mais que eram rezadas e cantadas em Latim.
Minha vó Aninhas gostava de frequentar as Vias Sacras. Quando chegava em casa vinha chorosa, em silêncio, contrita.
Na quinta feira santa e na sexta da paixão as pessoas ficavam com cara de enterro, não riam, quase nem conversavam nem saíam de casa, não comiam carne, pois tudo o que fizessem era pecado.
Ninguém reservava com antecedência, nas agências de viagem, as excursões para as praias, onde a bebida, os bacanais e a luxúria profanam com naturalidade tudo o que – para eles - outrora era ou parecia ser sagrado, intocável.
No dia da paixão as crianças não podiam fazer barulho, de maneira nenhuma. Tínhamos que falar baixo, não podíamos jogar bola, nem ligar o rádio, nem rir ou chorar. Quem ousasse desobedecer a essa férrea disciplina era castigado no sábado de aleluia.
Tudo era preparado para nos acachapar com mais do que respeito: um pavor desmedido. Diziam que na sexta feira santa uma procissão de almas desfilava pelas ruas da cidade e ninguém ousava sair de casa ou abrir as janelas.
Era uma religiosidade doentia, agourenta, psicótica, que não distinguia entre criancinhas e velhos para ameaçar com o fogo do inferno ao menor deslize.
Uma verdadeira aberração dos caminhos de amor pregados no Evangelho pelo crucificado e pela alegria profunda que exala das Epístolas do Apóstolo Paulo.
O mais estranho de tudo isso é que o povo assumia essa neurose toda e parecia gostar de ser lambado, humilhado, repreendido.
Ainda me recordo que todo ano, na frente da casa de meu tio Miguel, era montado um altar onde a procissão sempre parava para rezar e escutar o lindo canto da Verônica.
Todos ficavam emocionados quando ela cantava e exibia em público o Santo Sudário com a face do cristo sofredor: mistério, beleza, tristeza, medo.
Mas o tempo passou, chegou a televisão, a internet e as pessoas afastaram-se das coisas sagradas, quer dizer, da maioria dos mitos que nos mantinham no cabresto.
Hoje em dia, apesar dos pesares (nem tudo é maravilhoso, infelizmente), a época da inocência já passou. Sabemos que Deus é liberdade, é amor e não é aquele verdugo cruel pronto a cortar as cabeças ao menor sinal de “desobediência”, nem exige dinheiro para demonstrar que é nosso Pai de verdade.
Como as coisas mudam com o tempo! Essa crônica retrata com fidelidade o que era ontem e o que é hoje. Parabéns ao cronista.
ResponderExcluirPaulo Costa - Manaus
Bela crônica! Parabéns, Zé Wilson. Marcílio Ribeiro, santareno, há 30 anos residente no Rio de Janeiro.
ResponderExcluirAgradeço ao Paulo Costa e ao Marcílio Ribeiro, pelos elogios aos meus escritos. Os méritos são do Blog do Ércio que divulga tudo muito bem.
ResponderExcluirUM abraço.
j wilson