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sábado, 3 de abril de 2010

A Cultura do Segredo (Autora: Maria Helena Rubinato de Souza)

Antes de mais nada, quero declarar que sou cristã, católica apostólica. Creio na Palavra de Deus, conforme nos foi transmitida pelos Evangelhos e por São Paulo. Dos Sete Sacramentos, só não recebi a Unção dos Doentes e a Ordem.

Todavia creio que os cristãos não devem fechar os olhos para o tenebroso momento pelo qual passa a Igreja e que precisamos, cada um de nós e à sua maneira e dentro de suas possibilidades, dizer o que sentimos diante dessa praga que é a pedofilia.

A pedofilia não é doença exclusiva dos sacerdotes católicos, é bom frisar. É doença universal, antiga, e que ataca homens e mulheres de qualquer profissão ou carreira. Mas como o mofo, ela prefere ambientes fechados, escuros, sem ventilação, sem luz. Exatamente o meio-ambiente que domina toda a burocracia da Igreja como instituição terrena: o sigilo, o compadrio, o solidarismo doentio.

Em nenhuma outra instituição isso se passaria, com tantos casos e durante tanto tempo e em tantos lugares, em tantos países diferentes, sem ter vindo à luz..

Isso precisa acabar.

Depois que veio a público, nas vésperas desta Páscoa, que um padre americano, entre 1950 e 1977, abusou de 200 crianças surdas e não sofreu nenhuma punição, sinceramente, como reagir diante disso?

Ele morreu em 1998, sem nunca ter sido condenado, ou afastado de suas funções e menos ainda sem ter se defrontado com a justiça americana. Houve um processo num tribunal eclesiástico, sim, aberto em 1996, fechado para qualquer um de fora da Igreja, 20 anos depois dos fatos ocorridos entre ele e os meninos surdos de quem abusara. A Congregação para a Propagação da Doutrina da Fé era comandada pelo então cardeal Ratzinger que foi avisado do processo e recomendou que o padre Murphy, esse seu nome, “deveria diminuir suas atividades religiosas e aceitar a plena responsabilidade de seus atos”. O padre Murphy, por ocasião dessa carta, já estava muito doente e logo veio a falecer.

O sacerdote e professor de Direito Canônico Filippo di Giacomo defende o Papa, a quem exime de culpa, alegando que nunca chegava ou chega à mesa dele esse tipo de documento. Disse também “que é inútil esconder a realidade, ela é o que é”. Mas indignado acrescenta que a tolerância da Cúria com os abusos tem uma raiz evidente: “a sem-vergonhice de muitos de seus membros”. (…) O padre Dr. Giacomo encerra suas palavras declarando que “Bento XVI não tem quem o ajude e está rodeado de canalhas” (El Pais, 01/04/2010).

Mas nem bem estourou esse caso das crianças americanas, surge um episódio não menos horripilante, em Verona, também com crianças surdo-mudas. Entre 1955 e 1984, durante 30 anos, no Instituto Provolo daquela cidade, entidade católica beneficente, dezenas de meninos e meninas internados sofreram nas mãos de educadores religiosos. Está tudo documentado e com as denúncias assinadas por 67 ex-alunos que nomearam 25 padres supostamente pedófilos.

O debate sobre o celibato dos padres vai tomar conta da Igreja, e é bom que isso se dê. Como disse à revista “A Mídia e o Evangelho” o sexólogo e médico francês Olivier Florant: “se o celibato voluntário não estiver apoiado em imensa riqueza espiritual que lhe forneça energia e um sentido à sexualidade reprimida, isso vai ocasionar distúrbios”.

Parece, para os de fora, que esse é o principal problema. Não me sinto capacitada para opinar sobre isso; mas sobre uma coisa tenho certeza e aproveito a Sexta-Feira Santa para dizê-lo: ‘a “cultura do segredo”, expressão que define exatamente o que se passa, usada por Christian Terras (redator chefe da revista cristã “Golias” que, como o nome indica, contesta o Vaticano), não ajudou a Igreja Católica a sair do lodaçal da pedofilia.

Em O Globo de hoje lemos que Bento XVI, ao enfrentar a crise mais grave de seu pontificado, disse neste domingo, sem citar as denúncias, “que sua fé lhe dará coragem para não ser intimidado pelas críticas”. A declaração foi dada durante a celebração da missa do Domingo de Ramos, que abre os ritos litúrgicos da Semana Santa.

“Deus”, disse o Papa em sua homilia, “guiará os fiéis no caminho da coragem que precisamos para não nos deixarmos intimidar pelas fofoquinhas da opinião dominante e nos dar coragem e paciência para apoiar os outros".

Ele também disse que, algumas vezes, os homens podem chegar "aos mais baixos níveis de vulgaridade" e "afundar num pântano de pecado e desonestidade".

Parece que o Papa quer levar tudo para o anticlericalismo rampante na Europa. Durante algum tempo, achei que poderia ser isso, essa onda de denuncismo. Mas agora, com esses episódios envolvendo crianças surdo-mudas, no Wisconsin e em Verona, e com os casos escandalosos na Irlanda, que levaram à exoneração de um bispo, fica complicado colocar tudo na conta do anticlericalismo. Na Irlanda? Custo a crer.

Espero que Bento XVI seja mais padre que político e que não fique apenas nessas palavras. É minha oração de hoje, sexta-feira santa, 2 de abril de 2010.

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