Na última página da edição de VEJA desta semana, o excelente Roberto Pompeu de Toledo encerrou o texto inspirado em José Sarney com um parágrafo de antologia:
A sina do Maranhão, governado, nos últimos 45 anos, por Sarney, familiares ou prepostos, a não ser por curtos intervalos, continua sendo a da desonestidade, da corrução, da violência, da miséria, do analfabetismo e das altas taxas de mortalidade infantil. Mas Sarney, aos 80 anos, dois a menos que Mubarak, alcançou a plenitude da glória. Na primeira hora da madrugada do último dia 1º de janeiro, foi presença de honra na cerimônia de posse da filha, pela quarta vez, como governadora do Maranhão. Voou em seguida para Brasília, onde, como presidente do Congresso, deu posse à nova presidente da República. E, à noite, ainda viajou com o presidente Lula a São Bernardo, onde figurou como atração especial no comício/show montado para receber de volta o mais ilustre morador da cidade. Haja Sarney! Ele promete, como Mubarak, que este é seu último mandato. Nem precisaria de outros. Este é um país intoxicado de Sarney. Na academia, nos jornais e alhures, discute-se se estaríamos vivendo ainda uma era FHC, graças ao rescaldo de suas reformas, ou uma era Lula. Nada disso. O país vive, há mais de meio século, a era Sarney.
Com a conivência da maioria dos oposicionistas, essa era abjeta eviscerada por Roberto Pompeu de Toledo foi prorrogada por mais dois anos de Sarney na presidência do Senado. Líderes do PSDB e do DEM alegam que apenas respeitaram o critério da proporcionalidade, que confere à bancada majoritária o direito de indicar o presidente da Mesa Diretora. Nenhum partido, seja qual for o tamanho da representação no Senado, tem o direito de impor uma escolha que agride o Brasil decente.
O critério da proporcionalidade não pode prevalecer sobre critérios morais, nem revogar o sentimento da vergonha. Nenhum oposicionista teria respeitado o critério da proporcionalidade se a votação fosse aberta. Nas conversas com repórteres do site de VEJA, todos evitaram mencionar expressamente o nome de Sarney. Não ousariam decliná-lo em voz alta no plenário.
Quando estiverem cauterizadas as feridas morais abertas pela Era da Mediocridade, escrevi em junho de 2009, o Brasil contemplará com desconsolo e desconcerto a paisagem deste começo de século. Como foi possível suportar sem revides as bofetadas desferidas por um José Sarney ─ político sem luz, orador bisonho, poeta menor e escritor medíocre? Como explicar a mansidão da maioria dos insultados pelo coro dos cúmplices contentes?
(No blog de Augusto Nunes)
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