"Trabalho com plantas medicinais e o que me atrai é trabalhar com plantas que a população consome. Fui em uma lanchonete aqui em Ipanema, no Rio de Janeiro, e vi aquele tanto de jovens saboreando esse fruto. Perguntei para o dono onde ele conseguia o açaí, e ele disse que vinha de Belém, como uma rapadura congelada. Voltei para o laboratório da Uerj e fiz umas experiências e verifiquei que o fruto tinha uma atividade de relaxar os vasos. Mas eu não podia trabalhar com uma coisa que era vendida na lanchonete. Aí me lembrei que eu tinha um aluno de pós-graduação, que agora é professor da Faculdade Farmácia da Universidade Federal do Pará. Pedi, e ele passou a me enviar o coco inteiro do açaí. Fiz experiências e verifiquei que as atividades antioxidantes e as atividades vasodilatadoras eram muito maior no caroço. O que a população come tem as mesmas atividades, mas no caroço tem muito mais concentração de polifenóis ou flavonoides, substâncias com excelente ação contra os radicais livres e presentes nessa parte da fruta", explicou.
Ao constatar o efeito vasodilatador do produto em camundongos, o professor produziu três extratos diferentes para introduzir na dieta dos roedores: um feito da fruta inteira, outro somente da polpa e um terceiro apenas do caroço. Em um dos grupos testados, os animais não tinham uma alimentação balanceada, eram hipertensos, diabéticos e obesos. Os testes comprovaram que os efeitos danosos da alimentação rica em gordura oferecida aos camundongos foram amenizados pelos preparados de açaí. Para os animais que ingeriam o extrato do caroço do açaí, a vasodilatação foi bem evidente.
No entanto, para o cientista nenhuma dessas descobertas é tão "espetacular" quanto a que ele definiu como radical, no combate ao enfisema pulmonar, mal que acomete milhões de pessoas em todo o mundo. "É um espetáculo. O hábito de fumar produz na espécie humana o que se chama de enfisema, que é uma destruição do alvéolo pulmonar. Quer dizer, os homens que fumam por muito tempo passam a ter lesões no pulmão, causadas por uma reação inflamatória, por uma reação de estresse oxidativo e ativação de enzimas que destroem a estrutura pulmonar. Nós temos um modelo experimental que coloca o camundongo para fumar. Ao fim de dois meses a gente sacrifica o animal e ele tem enfisema, igual a um fumante de 20 anos. O meu extrato tem um efeito antioxidante, anti-inflamatório e antirradical livre, então imaginei se não teria como prevenir o enfisema provocado pelo fumo através dele. Coloquei o extrato no interior do cigarro, junto com o fumo. Ao fazer a biópsia, o grupo de animais que fumou o cigarro sem o açaí teve uma lesão grave, já os que fumaram com o extrato tiveram uma lesão muito menor. Isso mostra que se amanhã, todos os cigarros tiverem o açaí na sua composição, o cigarro não teria tanto efeito tóxico", destaca o médico.
O extrato do caroço da fruta poderá ser usado ainda como cicatrizantes na forma de pomada e enxaguatório bucal. Uma parceria com um laboratório particular permitirá o desenvolvimento desses produtos. "Eu vi em Belém e fiquei impressionado com o tanto de caroço que é jogado no lixo. São sacos e mais sacos jogados fora. Acredito que essa parte do açaí, que hoje é desprezada, em breve será matéria-prima para medicamentos, como gel cicatrizante, cápsulas e outros produtos, assim como também, em filtros para cigarros. E o que é melhor, a preços muito acessíveis. Se fosse da polpa iria encarecer, inclusive, o preço do próprio açaí para o consumo", enfatiza Moura. Ele ressalta ainda que o Pará poderá ser o grande beneficiado com a exploração do caroço do açaí para o uso medicinal. O Estado é o maior produtor nacional da fruta. Em 2009, os paraenses extraíram das palmeiras 605 mil toneladas. Atualmente, a polpa é também exportada para diversos países. O agronegócio do produto envolve mais de 30 mil pessoas. Nos pontos de vendas do açaí, em Belém, o estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) divide opiniões: há aqueles que consideram a pesquisa importante, dada a quantidade de pessoas que sofrem com as doenças, mas há também os que temem o aumento no preço do açaí caso a pesquisa resulte em medicamentos potenciais. (No Amazônia)
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