Fui chamado ao palácio pelo presidente Sarney. Chegando lá, ele estava com o general chefe da Casa Militar e tinha um pedido do bispo de Aparecida, ao qual era muito ligado, para impedir a exibição do filme, que eles imaginavam ser um afronta à Igreja Católica.
Fui contra e disse ao Presidente que jamais censuraria uma obra de arte, que por sinal para mim era medíocre. Mas o presidente reafirmou que era para censurar.
Eu repeti: "Eu não censuro." E o presidente respondeu: "Quem censura sou eu".
Rebati: "Mas, Presidente, quem assina é o Ministro." E saí da sala disposto a renunciar ao Ministério.
Faltavam oito dias para que eu deixasse a pasta.
Chegando ao gabinete convoquei Cristovam Buarque, José Paulo Cavalcanti Filho e Joaquim Falcão, que trabalhavam comigo, para lhes comunicar que iria renunciar porque jamais censuraria o que o Palácio queria.
Eles, menos Joaquim Falcão, argumentaram que eu não poderia renunciar a oito dias da saída. Fiz tudo para convencê-los, mas não consegui.
Durante todo o período que fui Ministro, este é o único fato que me entristece.
Hoje, o fato tende a se repetir e jamais poderia deixar de dar este depoimento.
Uma democracia madura só pode se formar em um ambiente de consciências livres. E essa liberdade ampla não pode conviver com nenhuma forma de censura. Sobretudo nos dias que correm, já distantes dos tristes anos de autoritarismo e do cenário de incertezas que marcaram a transição democrática no Brasil.
A censura ao filme "A Serbian Film - Terror sem limites" é, com todas as letras, um absurdo.
Quem não gostar do filme, não vá vê-lo. Quem for e não gostar, saia no meio da sessão.
É impensável que o Estado se atribua o papel de decidir o que devemos e o que não devemos ver. Um ambiente assim, de intolerância, no fundo conspira contra a democracia.
Por Fernando Lyra-foi ministro da Justiça nomeado pelo presidente Tancredo Neves e mantido no cargo pelo presidente José Sarney entre março de 1985 e fevereiro de 1986.
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