Por Carlos Nina (advogado no Maranhão)
Graças à determinação de bacharéis em Direito inconformados com os resultados do Exame de Ordem e sua convicção de que tal exigência é inconstitucional, apesar de ser norma da lei federal 8.906/94, referido exame tem sido questionado judicialmente e cresce o número de juristas e autoridades que, enfim, conseguem ver a lógica, a pertinência e a procedência das razões dos inconformados. Caso recente é o do Subprocurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, em manifestação no Recurso Extraordinário 603.583, que tramita no STF. Alguns já vêem, também, o que está por trás do Exame da Ordem.
Os argumentos de quem defende o Exame são, no mínimo, simplórios e falaciosos. Três deles são os seguintes: 1º) está previsto em lei; 2º) os cursos de Direito diplomam bacharéis sem a devida qualificação; 3º) para ingresso nas carreiras de Magistrado, Promotor de Justiça, Defensor Público e outras do serviço público os bacharéis se submetem a concurso. Tais argumentos, para quem tem noções mínimas de Direito, só se explicam de três formas: desconhecimento, equívoco ou má-fé.
O fato de estar previsto em lei não significa que seja constitucional. Tanto que no ordenamento jurídico brasileiro existem mecanismos para combater e revogar normas inconstitucionais, inclusive as contidas em lei, de qualquer nível ou natureza. Nenhuma norma está imune ao controle de constitucionalidade.
A lei federal 8.906/94 condiciona o ingresso dos bacharéis em Direito à aprovação em Exame de Ordem. Contudo, os bacharéis em Direito são diplomados para a carreira jurídica. Se não são devidamente qualificados, não cabe à Ordem nem a ninguém mais recusar a validade desse diploma, se não o contestaram na origem. Não se trata de ato nulo, mas revestido da mesma legalidade – só que, neste caso, constitucional – que é atribuída ao Exame de Ordem. Este, sim, inconstitucional, porque impõe uma condição que contraria não só a garantia constitucional do direito ao trabalho, mas três dos cinco fundamentos da República, anunciados no primeiro artigo da Constituição: cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho.
O argumento que busca referência no concurso público chega a ser hilário, se não ofensivo, porque insulta a inteligência de qualquer pessoa informada. Aquelas carreiras são públicas e, na República, o ingresso em qualquer delas, inclusive para as que exigem apenas conhecimento de primeiro ou de segundo graus, é condicionado à aprovação em concurso público.
A advocacia não é uma carreira, nem uma atividade pública. É uma atividade privada. Logo, não há um mínimo de decência nessa comparação. O que o concurso público faz é uma seleção constitucional, para garantir que todos possam disputar em igualdade de condições o número de vagas existentes para o cargo a que se destina. No caso da advocacia privada, não há limite de vagas.
O bacharel em Direito porta um diploma que, se não foi questionado, o habilita para a advocacia, exceto a pública, para a qual há de submeter-se a concurso público. O Exame, portanto, é inconstitucional.
Ainda que não se tratasse de equívoco, desconhecimento ou má-fé e que o discurso dos defensores do Exame tenha sincera motivação de defesa da sociedade contra maus profissionais, já são decorridos 17 anos desde a vigência da lei federal 8906/94, que impôs tal exigência, para corrigir a deficiência das faculdades. E o que a Ordem fez contra esse estelionato?
Tem-se conhecimento de que a OAB, no plano nacional e nos Estados propõe inúmeras ações em defesa de segmentos alheios ao universo jurídico. Cobra e ajuíza medidas visando mudanças no processo eleitoral da República, em normas tributárias, em defesa de direitos humanos, mas nada, absolutamente nada fez ou faz contra as faculdades que, segundo a própria Ordem, diplomam quem não estaria qualificado. Essa omissão da Ordem é equívoco, desconhecimento ou má-fé? O que está por trás dessa conduta?
O Exame da Ordem não é a via adequada para defender a sociedade dos maus profissionais. O Exame apenas veda a entrada no mercado de milhares de pessoas que viriam aumentar a concorrência e levar à sociedade a oferta de melhores serviços, segundo irrevogável lei de mercado. A manutenção do exame é exatamente o contrário. É reserva de mercado. Constitui uma inesgotável e crescente fonte de renda para a Ordem, em taxas de inscrição, mensalidades e remuneração, no Exame e em cursos preparatórios.
Não é o Exame da Ordem que vai defender a sociedade dos maus advogados. Tal argumento, aliás, contraria o princípio da inocência e pretende desviar a atenção do que realmente deveria ser feito para defender a sociedade dos maus profissionais: processá-los e puni-los, sem privilégio para quem seja amigo do rei.
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