Por Vicente Malheiros da Fonseca [2]
Não pretendo neste artigo convencer ninguém quanto à criação do Estado do Tapajós. Muito menos estou engajado em qualquer campanha alusiva ao plebiscito – o primeiro, no gênero, no Brasil –, convocado pelo Decreto Legislativo nº 137/2011, à luz do art. 18, § 3º, da Constituição da República.
Meu propósito é simplesmente registrar, a pedido do editor desta Revista, um breve depoimento que expressa antigo desejo de meus conterrâneos, há muitos anos, por certo antes do nascimento de meu pai e meu avô, que, como eu, amamos nossa terra natal, nossa arte, nossa cultura, nossa gente.
A criação do Estado do Tapajós é, afinal, um anseio alimentado ao longo de décadas, há mais de dois séculos, inclusive pela Igreja Católica e, sobretudo, no espírito e nos sonhos democráticos do povo do Oeste do Pará.
O novo Estado poderá resultar do desmembramento da área onde atualmente se situam os Municípios de Almeirim, Prainha, Monte Alegre, Alenquer, Óbidos, Oriximiná, Faro, Juruti, Belterra, Santarém, Porto de Moz, Vitória do Xingu, Altamira, Medicilândia, Uruará, Placas, Aveiro, Itaituba, Trairão, Jacareacanga, Novo Progresso, Brasil Novo, Curuá, Rurópolis, Senador José Porfírio, Terra Santa e Mojuí dos Campos.
A criação de novos estados na Amazônia tem previsão constitucional, conforme o art. 12 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988: “Será criada, dentro de noventa dias da promulgação da Constituição, Comissão de Estudos Territoriais, com dez membros indicados pelo Congresso Nacional e cinco pelo Poder Executivo, com a finalidade de apresentar estudos sobre o território nacional e anteprojetos relativos a novas unidades territoriais, notadamente na Amazônia Legal e em áreas pendentes de solução”. Importante frisar que há vários estudos sérios sobre a matéria.
Aliás, não se trata de “esquartejamento” do Estado do Pará, como alguns apregoam, mas de desmembramento territorial, com o objetivo de criar melhores condições de vida para a população ali residente e que tanto deseja ter mais acesso aos padrões de uma sociedade livre, justa e solidária.
Hoje moro em Belém, por motivos profissionais. Todavia, sempre estive vinculado a tudo o que acontece em minha terra natal. Meu umbigo continua plantado na “Pérola do Tapajós”. Desde que me entendo como gente, lá em Santarém, já se falava sobre a criação do Estado do Tapajós. Na verdade, os santarenos, alenquerenses, obidenses e demais habitantes do Oeste do Pará quase sempre se sentiram desamparados pelo Governo do Estado do Pará. Esse sentimento é muito antigo e arraigado na cultura de nossa região. Não surgiu agora, de repente. É algo que se sedimentou.
A felicidade do povo não depende apenas da extensão territorial do Pará.
É evidente que a distância geográfica dificulta a administração estadual. O poder central, na capital, está muito distante, física e politicamente. Mas alguns pretendem manter a hegemonia sobre a imensidão de nosso Estado, não raro sem qualquer justificativa plausível. Como num jogo de poder. E, assim, apresentam argumentos retóricos, emocionais ou infundados.
Às vezes chego a pensar que a situação é parecida com a hipótese de pais que oferecem resistência arcaica contra o casamento, emancipação e felicidade de seus filhos, presos a preconceitos e costumes superados.
Alega-se que a criação do novo Estado seria ideia arquitetada por políticos sem compromissos com o Pará, a fim de tirarem proveito da situação.
Penso que a análise crítica deve ser invertida. Melhor que se faça a partir dos interesses do povo e não dos políticos, que têm o dever de bem servir seus representados. Assim, prefiro examinar a questão sob a ótica do povo, e não do ponto de vista dos membros do poder político ou econômico.
Na vida, tudo muda. E as mudanças sempre dependem de nossos atos e deliberações. Há 500 anos, o Brasil sequer existia. Tornou-se nação independente em 1822. O Pará, que esteve na iminência separar-se de nosso país, separou-se do Estado do Maranhão. Criaram-se diversos outros Estados brasileiros. E certamente outros ainda poderão ser criados, sem que isso represente um rompimento com os compromissos éticos e republicanos.
Há nos Estados Unidos da América do Norte 50 Estados, além da capital federal. A França é dividida em 26 regiões administrativas (no Brasil, temos apenas 5 regiões), subdivididas em 100 departamentos – que correspondem aos Estados brasileiros –, com mais de 300 circunscrições, subdivididas em mais de 4.000 cantões, onde há cerca de 36.000 comunas.
Enfim, o próprio nascimento do ser humano depende da divisão das células. Dividir pode significar vida nova e crescimento, esperança e dignidade.
Porém, esse fenômeno, biológico ou político, como a criação de um novo Estado brasileiro, não representa o afastamento ou a constituição de um país independente. Muito pelo contrário, pode exprimir a soma de esforços, ideias, riquezas e culturas para o fortalecimento da região Norte, da Amazônia, inclusive no Parlamento nacional, além da criação de novos empregos privados e públicos (neste ponto, refiro-me aos empregos lícitos, mediante concurso público, no âmbito da administração pública), o que amplia as possibilidades de qualidade de vida da população, quanto à educação, saúde, segurança etc.
A grande dimensão do Estado do Pará justifica o desmembramento e com o novo Estado o Governo ficará mais próximo à população, para melhor administrar o seu bem-estar, as suas necessidades básicas como cidadãos.
Fala-se que o novo Estado será um "Estado pobre", como se o Piauí, Sergipe, Acre, Amapá, Roraima e tantos outros fossem Estados "ricos". Afinal, o Brasil é um país ainda jovem. E a riqueza do Tapajós é incontestável.
Concluo com uma singela homenagem, da forma como aprendi com meu pai (Wilson Fonseca – maestro Isoca), mestre na arte e na vida, com o HINO DO ESTADO DO TAPAJÓS, que compus, a pedido de amigos, em 2007: “I – Azul é a cor das tuas águas/ Tapajós meu lindo rio/ E o Xingu, que beleza sem par,/ Dois irmãos que me fazem feliz.// Do Amazonas varonil/ Ao Trombetas faz vibrar/ Nossa luta que busca a vitória/ Faz livre teu povo que a história bem diz.// Estribilho: Tapajós – torrão da paz/ És o Estado que sonhei/ Na Amazônia colossal/ No Brasil que sempre amei.// Nossos rios têm lindas praias/ E eu mergulho o coração/ Solto forte a minha voz/ Pra te exaltar meu Tapajós.// II – Teu hino é mais que poesia/ Tantas águas de emoção/ A bandeira tremula no céu/ Tapajós, eu te quero tão bem.// O Brasil de norte a sul/ Reconhece a nossa voz/ Conquistada ao longo da história/ Tua gente, tua glória, faz coro também.// Estribilho: Tapajós – torrão da paz/ És o Estado que sonhei/ Na Amazônia colossal/ No Brasil que sempre amei.// Nossos rios têm lindas praias/ E eu mergulho o coração/ Solto forte a minha voz/ Pra te exaltar meu Tapajós”.
[1] Artigo escrito para a Revista Amazônidaedição nº 101 (15.set.-15.out./2011), p. 32-33.[2] Desembargador Federal do Trabalho, Professor e Compositor. Nascido em Santarém (PA).
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