Talvez por causa de sua pequena gravidade para a lei, esse tipo de delito seja tão comum: em um ano apenas (de janeiro de 2011 a janeiro passado), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ) notificou 1.948 pessoas e empresas por exercício irregular de profissão, o que levou à emissão de 441 autos de infração. Na Justiça do Rio, no mesmo período, por causa da mesma contravenção, deram entrada 1.462 processos nos juizados especiais criminais. A maioria, no entanto, se referia a outras categorias: foram ações contra falsos taxistas, professores de educação física, servidores públicos e advogados. — O exercício ilegal de profissão, previsto no artigo 282 do Código Penal, só vale para o caso de médicos, dentistas e farmacêuticos. Para o restante, é mera contravenção — reforça o juiz Murilo Kieling, do III Tribunal do Júri.
Especialista em processo penal, Kieling alerta, no entanto, que, apesar de o exercício ilegal de profissão ser considerado apenas uma contravenção, sua consequência poderá ser um crime grave: — Se você monta um escritório de arquitetura sem ser arquiteto, isto é uma contravenção. Mas, se isso gerar dano, é outro delito. E pode se agravar muito.
De acordo com o magistrado, o artigo 13 do Código Penal estabelece que o crime é imputado não só a quem o causou pela ação, como também pela omissão: — Se o falso arquiteto faz a planta e a casa cai, matando alguém, então ele vai responder pela contravenção, mas também por homicídio doloso. Os parágrafos 2 e 3 do artigo 13 estabelecem que a omissão é penalmente relevante quando o omitente (a pessoa que se omite) devia e podia agir para evitar o resultado; quando, de alguma forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; ou quando, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Para magistrado, fiscalizar é dever da sociedade - Para o juiz Murilo Kieling, do 3º Tribunal do Júri, a criminalização do exercício ilegal de profissão não é uma solução para se evitar tragédias. Segundo ele, o desabamento dos três prédios no Centro trouxe à tona uma apatia social cada vez mais comum nos grandes centros. — Esse evento terrível precisa servir para um exercício reflexivo sobre o que é responsabilidade. Vivemos em sociedade. Essa obrigação de viver harmonicamente deve ser compreendida de forma compartilhada. O dever é de todos. O dever é da família, da comunidade, da sociedade e do poder público. Nós não podemos nos exonerar do dever permanente da fiscalização, não só num prédio de escritórios, mas na ambiência familiar, no condomínio, em relação ao vizinho, àquele que está edificando em uma área proibida — afirma.
O juiz usou como exemplo da necessidade de fiscalização o problema da proliferação de focos do mosquito Aedes aegypti , transmissor da dengue: — A sociedade tem que fiscalizar, e o poder público precisa ter estrutura para atender a essa demanda social.
O desabamento dos prédios mudou o comportamento dos cariocas. Do dia da tragédia até a última quinta-feira, o Disque-Denúncia recebeu 250 ligações sobre obras irregulares, cinco vezes mais que o número (46) registrado no mesmo período do ano passado. (O Globo)
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