Por Augusto Nunes, colunista da revista ´Veja`:
Comandada desde o dia 12 pelo desembargador Tourinho Neto, do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a campanha pela libertação de
Carlinhos Cachoeira e pela anulação da escuta telefônica feita pela
Operação Monte Carlo colidiu nesta segunda-feira com a sensatez dos
magistrados que completam a 3ª Turma, encarregada de julgar o pedido de
habeas corpus impetrado por Márcio Thomaz Bastos em favor do cliente de
R$ 15 milhões. Os desembargadores Cândido Ribeiro e Marcos Augusto de
Souza não viram motivos para invalidar as provas colhidas pela Polícia
Federal em decorrência das conversas grampeadas com autorização judicial
e monitoradas pelo Ministério Público. Por 2 votos a 1, Tourinho perdeu
a batalha contra a verdade e a Justiça.
Relator do recurso apresentado pelo advogado de Cachoeira, ele
resolveu que foram “insuficientes” os argumentos arrolados pelo juiz que
autorizou a escuta. E transformou o parecer numa impiedosa sequência de
pontapés nos fatos, no Código Penal e na Constituição. “Essa
interceptação telefônica não pode ser autorizada com base em meros
indícios e denúncias anônimas”, começa. Errado: houve uma denúncia
anônima, mas a escuta só foi solicitada depois da coleta de evidências
veementes e revelações fornecidas por testemunhas confiáveis.
“Não pode haver a banalização da interceptação telefônica para
combater o crime”, prossegue Tourinho. O que não pode pode haver é a
banalização da impunidade em consequência de restrições sem fundamento à
utilização do grampo, corrigem integrantes do Ministério Público. “Quem
corrompeu? Quem foi corrompido? Qual foi a sonegação tributária?”,
pergunta Tourinho. As respostas têm inundado nas últimas semanas o
noticiário político-policial.
Depois de louvar o direito constitucional à privacidade, Tourinho dá
um pito nos participantes da Operação Monte Carlo. “Será que a Polícia
Federal não sabe enfrentar bandidos, não tem inteligência, tecnologia,
nem câmeras de precisão para investigar à distância?”, provoca. “A PF
não sabe fazer campana nem monitoramento?”. O sherloque de toga deveria
pelo menos ver seriados policiais na TV. Aprenderia que a escuta legal é
perfeitamente compatível com a Constituição. Também deveria ler as
descobertas espantosas resultantes das gravações telefônicas. Aprenderia
que é muito lixo para pouco tapete.
A interrupção do julgamento do habeas corpus, suspenso por um pedido
de vista do desembargador Cândido Ribeiro, não abrandou o ânimo
beligerante de Tourinho. Ansioso demais para aguardar uma semana,
resolveu libertar o prisioneiro na sexta-feira. Em outra jogada esperta,
Márcio Thomaz Bastos pediu-lhe que estendesse a Cachoeira a
argumentação costurada para soltar, na véspera, um integrante da
quadrilha. Para justificar a aprovação do pedido, o desembargador
produziu uma dos mais delirantes despachos da história do Judiciário.
As linhas iniciais reduzem Cachoeira a um inofensivo bicheiro. “O
forte da denúncia contra o paciente é a contravenção”, garante Tourinho.
Depois de lembrar que em muitos lugares a jogatina é legalizada, e que
não são poucos os brasileiros favoráveis à reabertura dos cassinos
fechados nos anos 40, vem a exortação à brandura: “Temos de ponderar que
os jogos de azar não constituem crime, e sim contravenção, um ilícito
menor”. Muito pior foi o que fez a Polícia Federal, informa em seguida:
“Não votei pela sua liberdade, e sim para declarar nulas as
interceptações telefônicas por reconhecê-las como ilícitas, determinando
a imediata retirada dos autos”.
Linhas adiante, Tourinho muda de rumo e admite que o infrator de
baixíssima periculosidade chefiou uma quadrilha de grosso calibre. “Mas
atualmente o quadro é outro”, ressalva. “A poeira sentou. A
excepcionalidade da prisão preventiva já pode ser afastada. A
organização foi desbaratada”. E nem um Carlinhos Cachoeira se atreveria a
desafiar a vigilância da imprensa e dos parlamentares que investigam o
réu. O delinquente não voltará a agir “diante da instauração da CPMI,
conhecida como CPI do Cachoeira, que tem até musa, diva, segundo a
galhardia, picardia, elegância da imprensa!” A manobra que tiraria o
bandido da cadeia malogrou por ter ignorado a existência de um segundo
mandado de prisão.
No fim de semana, o TRF transferiu para outra comarca o juiz que
mandou engaiolar Cachoeira em 29 de fevereiro. A mudança de endereço foi
reinvindicada pelo próprio magistrado, alvo de sucessivas ameaças
anônimas. Essa e outras tentativas de intimidação, conjugadas com
subornos e extorsões, gritam que está longe de ser desativada a
quadrilha que abrange governadores, senadores, deputados, altos
funcionários, empresários, meliantes infiltrados nos três Poderes e a
Construtora Delta. Fora o resto.
Tourinho, convém registrar, não é o único magistrado que se recusa a
falar apenas nos autos do processo. Mas foi o primeiro a transformar
tribunal em palanque para improvisar comícios em defesa de uma decisão
indefensável. Cumpre ao Conselho Nacional de Justiça descobrir por quê.
Também é preciso ensinar-lhe que, para não envergonhar o Judiciário, um
juiz precisa ter juízo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário