Conheci Maria da Graça Azevedo da Silva em janeiro de 1968, nas provas do vestibular para o curso de Direi-to da Universidade Federal do Pará. Ela, com 17 anos, vinha do Gentil Bittencourt. Eu, com 19, oriundo do Paes de Carvalho. Tínhamos algo em comum, pois éramos “interioranos”: ela nasceu nos magníficos “campos de Cachoeira”, no Marajó, cenário da obra fantástica do Dalcídio Jurandyr; eu vim à luz do dia em Alenquer, no “verde vagomundo” do Benedicto Monteiro.
Resquiescat in pace, amiga. A vida não acaba nunca. As pétalas perfumadas que você plantou são a imensurável herança que você legou para “o amanhã realizado e os contemporâneos em festa e glória.”
Aprovados no vestibular, veio o “trote” regulamentar. Lembro-me bem que um dos calouros de Direito, que era deputado estadual pela Arena e fora meu professor no Dom Amando de Santarém, montou em um jumento, tradicional nos “trotes” dos futuros advogados, e discursou, desancando o governo militar, bem em frente ao Palácio Lauro Sodré, de cuja sacada central a tudo assistia o governador Alacid Nunes, que, felizmente, não mandou a sua segurança acabar com a brincadeira. Integramos, durante cinco anos, a mesma turma dos 112 bacharelandos que colariam grau em 16 de dezembro de 1972.
Na Faculdade, tornamo-nos inseparáveis e o ano de 1968 marcaria as nossas vidas para sempre. Éramos todos um bando de jovens, “que amavam os Beatles e os Rolling Stones”; que admiravam os teóricos das guerrilhas Régis Debray e Ernesto Che Guevara (“Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás...”); que liam o Livro Vermelho de Mao Tsé-tung e os poemas de Ho Chi Min (“Montes atravessei, venci as alturas. / As planícies são mais difíceis de passar. / Não me fizeram mal os tigres das montanhas, / mas encontrei um homem e ele me prendeu...”); que se maravilhavam com a “revolução cultural” e a quebra de todos os “tabus”; que vibravam com as “barricadas” nas ruas de Paris lideradas pelo Daniel Conh-Bendit, chamado “Dany, o Vermelho”; que protestavam contra a guerra do Vietnam e o “imperialismo norte-americano” mas, ao mesmo tempo, aplaudiam a “primavera de Praga” quando a Tchecoslováquia quis se libertar do jugo de Moscou; que, indignados com a morte do estudante paraense Edson Luiz, baleado por militares no restaurante Calabouço no Rio, engrossavam as “passeatas”, as “greves” e as “tomadas” das Faculdades, bradando slogans contra “a ditadura”, contra os “acordos MEC-USAID” (“USA e ABUSA!”, era o nosso lema) e a malfadada “reforma universitária” (que julgávamos ser pura malandragem dos militares para desarticular os estudantes, impedindo-os de solidificarem amizades no correr dos anos do “sistema seriado de ensino” que a dita “reforma” queria extinguir; e, de fato, a nossa foi a última turma do “seriado” na tradicional Faculdade de Direito do Largo da Trindade; os que vieram depois de nós, foram tocados feito gado para o campus do Guamá, então inaugurado).
Enfim, éramos jovens que testemunhavam e viviam intensamente tudo aquilo que se passou no “ano que não terminou” e que nunca mais seria esquecido. Depois da formatura, em 1972, muitos de nós arrefeceram os “arroubos esquerdistas” daqueles verdes anos.
Com o fim da “guerra fria”, a queda do “muro de Berlim”, o esfacelamento do “império soviético” e o desmantelamento da “ditadura militar” brasileira, ficaríamos sabendo da verdade inalterável: “não há nada mais parecido com uma ditadura de direita do que uma ditadura de esquerda, não há nada mais parecido com o fascismo do que o comunismo, nada mais parecido com o hitlerismo do que o stalinismo (...) as ditaduras são todas iguais” – como muito mais tarde escreveria Roberto Ampuero (um chileno que, fugindo de Pinochet, exilou-se em Cuba, sob as barbas de Fidel, nos anos setenta do século passado) em Nossos Anos Verde-Oliva, um dos livros mais comoventes que eu já li em toda a minha vida.
Com o “canudo de papel” nas mãos, tomamos rumos diferentes: a Graça (aliás, Maria da Graça Silva Maués de Faria, pois se casara antes de se formar), ficou em Belém, onde ingressou no quadro de servidores do Tribunal Regional Eleitoral, e eu fui botar banca de advogado na minha terra, Alenquer, defendendo precursores dos “sem terra” no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e por lá me casei em 1973, após um namoro de cinco anos com a Neuma (que deixou o segundo ano de Direito da UFPA para me seguir – e isso, da minha parte, foi um crime sem perdão, do qual intimamente nunca me absolvi, pois jamais deveria ter concordado que ela interrompesse os estudos).
Em 1977, depois de uma passagem de dois anos pela SEAD, fiz concurso para o Ministério Público. Só dois candidatos foram aprovados e um deles fui eu. Fiquei em último lugar: a primeira colocada, com um décimo à minha frente, foi a doutora Raimunda do Carmo Gomes, que, pouco depois, submeteu-se a um novo concurso, desta feita para a magistratura (deixando-me como o único remanescente do concurso de 1977 no Ministério Público), e hoje, respeitada desembargadora, preside o Tribunal de Justiça do Estado.
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morte, em qualquer idade e ocorrida por qualquer motivo, inclusive por doença incurável, é muito dificil de ser aceita, principalmente as que ocorrem no trânsito, balas perdidas, excessos de quaisquer espécies, etc, etc...são lamentáveis. não conheci Dra. Graça mas, mesmo assim, lamento profundamente pela sua "ida" precoce. garanto que ela ainda tinha muito o que dar em sua área de atuação.
ResponderExcluirhá pouquissímo tempo perdemos nossa grande amiga Alba Rosa Malheiros, prima de Ze Wilson e Vicente, minha amiga de longas datas, no Sta Clara.
este ano foi dificil, muitas perdas precoces e irreparáveis.
lamento por seus familiares e amigos. Regina Silva, filha do saudoso Laudelino, santarena, vivendo em Floripa.