Os mestres do suspense, Aghata Christie e Alfred Hitchcock, deduziam, frequentemente, que a culpa era do mordomo. Hoje em dia, em raras ocasiões a responsabilidade é do personagem secundário, coadjuvante.
O “drama” de que trata este artigo, no entanto, não provém dos romances policiais britânicos. Diz respeito à administração pública brasileira, especialmente ao Legislativo. Graças à Lei de Acesso à Informação, o jornalista do GLOBO, Vinicius Sassine, fez uma descoberta interessante.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, tem à sua disposição na residência funcional um “mordomo”, Francisco Joarez Cordeiro Gomes, que recebeu, em março, R$ 18,2 mil brutos, dos quais R$ 2,7 mil somente em horas extras. Deve ganhar mais do que o Thompson, da novela “Salve Jorge”.
O serviçal comissionado, lotado na Coordenação de Administração de Residências Oficiais, é, desde 2006, “assistente parlamentar”, nomeado por ato secreto assinado pelo então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia.
O caso não é atípico. Outros sete assistentes parlamentares estão “lotados” no plenário e na área do cafezinho, atuando como garçons. Em março, receberam entre R$ 7,3 mil e R$ 14,6 mil. Os salários chegam a ser vinte vezes maiores do que o piso da categoria em Brasília.
Um deles, José Antônio Paiva Torres, o Zezinho, recebeu R$ 14,2 mil brutos, sendo R$ 5,3 mil em horas extras. É claro que a culpa não pode ser atribuída ao “Zé”, pelo menos a esse José.
A lista de absurdos parece não ter fim. Apesar das facilidades existentes para a marcação de assentos e confirmação de viagens, o Senado mantém nove funcionários, com remuneração líquida entre R$ 14 mil e R$ 20 mil, para fazer check-in e despachar as malas dos senadores. Enquanto isso, os nobres parlamentares aguardam o embarque em sala VIP paga pelos contribuintes.
Entre os que recebem quantias elevadas para servir de babá para os parlamentares está, por exemplo, o coordenador de apoio aeroportuário, Francisco Farias, que recebeu, em março, R$ 20.959,95 já com as deduções. A presidente Dilma recebeu R$ 19,8 mil líquidos.
Aliás, no que diz respeito aos salários, a consulta no site do Senado exige paciência por parte do interessado. A cada pesquisa nominal o cidadão é obrigado a cadastrar-se no portal informando seu nome, CPF, endereço, estado, cidade, bairro e CEP, declarando ainda, sob as penas da lei, que as informações são verdadeiras. Mas são óbvios os motivos que levam o órgão a dificultar a obtenção das remunerações de cada burocrata.
Enquanto os salários são altos, a assiduidade é baixa. No biênio 2011/2012, em média, cada servidor efetivo da chamada Câmara Alta obteve licenças médicas que o afastaram do trabalho por 36 dias. Ou seja, ganhou 26 meses de vencimentos e não trabalhou em um mês e seis dias para tratar de alguma doença.
Até nas aposentadorias existem falcatruas. Conforme mostrou o “Fantástico” no último fim de semana, ex-servidores aposentados por invalidez, recebendo benefícios mensais superiores a R$ 20 mil, continuam na ativa.
Que o digam dois ex-motoristas inválidos para o Congresso, um dos quais já até exerceu cargo em empresa pública enquanto o outro se candidatou a vereador. Por dia o Senado gasta R$ 2,4 milhões com aposentadorias.
Diante dos fatos, quantas outras barbaridades existirão envolvendo os mais de 6 mil servidores do Senado? Que plano de cargos e salários é esse em que um técnico legislativo recebe remuneração superior à da presidente da República? Quem tornou legais esses vencimentos, licenças médicas e aposentadorias imorais?
Na atual reforma administrativa, promovida a partir de fevereiro, nem todos são iguais. Foi extinto o serviço ambulatorial gratuito, mas os senadores continuam desfrutando de atendimento médico sem limite de reembolso nos hospitais que desejarem.
Até a turma do apoio operacional no Rio de Janeiro — herança da época em que a capital era na cidade — ainda existe, sabe-se lá para quê.
Ademais, como os “cortes” acontecem nas gratificações de menor valor, as despesas globais não mudaram de patamar. Nos primeiros meses pós reforma, março e abril deste ano, os dispêndios de custeio do Senado somaram R$ 551,3 milhões, incluindo pessoal e despesas correntes. No mesmo período do ano passado, sem as tais reformas, as despesas foram de R$ 500,3 milhões. Assim, cadê a economia?
Enfim, inúmeras regalias continuam preservadas e a culpa não é do mordomo. As suspeitas, nesse caso, recaem sobre os patrões. Elementar, meu caro Watson.
O “drama” de que trata este artigo, no entanto, não provém dos romances policiais britânicos. Diz respeito à administração pública brasileira, especialmente ao Legislativo. Graças à Lei de Acesso à Informação, o jornalista do GLOBO, Vinicius Sassine, fez uma descoberta interessante.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, tem à sua disposição na residência funcional um “mordomo”, Francisco Joarez Cordeiro Gomes, que recebeu, em março, R$ 18,2 mil brutos, dos quais R$ 2,7 mil somente em horas extras. Deve ganhar mais do que o Thompson, da novela “Salve Jorge”.
O serviçal comissionado, lotado na Coordenação de Administração de Residências Oficiais, é, desde 2006, “assistente parlamentar”, nomeado por ato secreto assinado pelo então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia.
O caso não é atípico. Outros sete assistentes parlamentares estão “lotados” no plenário e na área do cafezinho, atuando como garçons. Em março, receberam entre R$ 7,3 mil e R$ 14,6 mil. Os salários chegam a ser vinte vezes maiores do que o piso da categoria em Brasília.
Um deles, José Antônio Paiva Torres, o Zezinho, recebeu R$ 14,2 mil brutos, sendo R$ 5,3 mil em horas extras. É claro que a culpa não pode ser atribuída ao “Zé”, pelo menos a esse José.
A lista de absurdos parece não ter fim. Apesar das facilidades existentes para a marcação de assentos e confirmação de viagens, o Senado mantém nove funcionários, com remuneração líquida entre R$ 14 mil e R$ 20 mil, para fazer check-in e despachar as malas dos senadores. Enquanto isso, os nobres parlamentares aguardam o embarque em sala VIP paga pelos contribuintes.
Entre os que recebem quantias elevadas para servir de babá para os parlamentares está, por exemplo, o coordenador de apoio aeroportuário, Francisco Farias, que recebeu, em março, R$ 20.959,95 já com as deduções. A presidente Dilma recebeu R$ 19,8 mil líquidos.
Aliás, no que diz respeito aos salários, a consulta no site do Senado exige paciência por parte do interessado. A cada pesquisa nominal o cidadão é obrigado a cadastrar-se no portal informando seu nome, CPF, endereço, estado, cidade, bairro e CEP, declarando ainda, sob as penas da lei, que as informações são verdadeiras. Mas são óbvios os motivos que levam o órgão a dificultar a obtenção das remunerações de cada burocrata.
Enquanto os salários são altos, a assiduidade é baixa. No biênio 2011/2012, em média, cada servidor efetivo da chamada Câmara Alta obteve licenças médicas que o afastaram do trabalho por 36 dias. Ou seja, ganhou 26 meses de vencimentos e não trabalhou em um mês e seis dias para tratar de alguma doença.
Até nas aposentadorias existem falcatruas. Conforme mostrou o “Fantástico” no último fim de semana, ex-servidores aposentados por invalidez, recebendo benefícios mensais superiores a R$ 20 mil, continuam na ativa.
Que o digam dois ex-motoristas inválidos para o Congresso, um dos quais já até exerceu cargo em empresa pública enquanto o outro se candidatou a vereador. Por dia o Senado gasta R$ 2,4 milhões com aposentadorias.
Diante dos fatos, quantas outras barbaridades existirão envolvendo os mais de 6 mil servidores do Senado? Que plano de cargos e salários é esse em que um técnico legislativo recebe remuneração superior à da presidente da República? Quem tornou legais esses vencimentos, licenças médicas e aposentadorias imorais?
Na atual reforma administrativa, promovida a partir de fevereiro, nem todos são iguais. Foi extinto o serviço ambulatorial gratuito, mas os senadores continuam desfrutando de atendimento médico sem limite de reembolso nos hospitais que desejarem.
Até a turma do apoio operacional no Rio de Janeiro — herança da época em que a capital era na cidade — ainda existe, sabe-se lá para quê.
Ademais, como os “cortes” acontecem nas gratificações de menor valor, as despesas globais não mudaram de patamar. Nos primeiros meses pós reforma, março e abril deste ano, os dispêndios de custeio do Senado somaram R$ 551,3 milhões, incluindo pessoal e despesas correntes. No mesmo período do ano passado, sem as tais reformas, as despesas foram de R$ 500,3 milhões. Assim, cadê a economia?
Enfim, inúmeras regalias continuam preservadas e a culpa não é do mordomo. As suspeitas, nesse caso, recaem sobre os patrões. Elementar, meu caro Watson.
(*) Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.
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