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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Vale a pena ler: O enorme presente

Por Arnaldo Jabor - jornal O Estado de São Paulo.
Um amigo meu, cultíssimo, tem um filho muito "conectado" à internet. E o menino disse a ele: "Pai, você sabe tudo que já aconteceu, mas não sabe nada do que está acontecendo". O pai, como todos nós, embatucou. A mutação cultural dos últimos anos foi tão forte, a turbulência no mundo pós-industrial dissolveu tantas certezas, que caímos num vácuo de rotas.

Artistas e pensadores vivem perplexos - não sabem o que filmar, escrever, formular. Sinto em mim mesmo como é difícil criar sem esperança ou finalidade. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas. Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Sei que, neste exato momento, jovens filhos da web, os "hackers" da arte devem estar rindo de mim. Por isso, lembro a frase de Drummond: "Cansei de ser moderno, quero ser eterno". "Frase manjada", dirão meus inimigos. Tudo bem, mas sinto muita falta do tempo em que alguma "síntese", mesmo ilusória, nos era oferecida. Aí, a "contemporaneidade", esse "faz-tudo" do novo vocabulário, inventou a "utopia da distopia". Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. Vá a qualquer exposição de arte e veja o "conceito" ou a "narrativa" (outras palavras de mil utilidades) das obras: "O futuro vai ser uma bosta". E os artistas vibram de orgulho, radiantes como profetas do nada. A fruição poética é impedida, como se o prazer fosse uma coisa reacionária, "alienada", nos levando a ignorar o "mal do mundo". Há uma encruzilhada de linguagens, uma mutação no pensamento.

As palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas e ficamos à deriva. Por exemplo, "futuro". Que quer dizer? Antes, era visto como um lugar a que chegaríamos. Agora, no lugar de "futuro", temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Pela influencia do avanço tecnológico da informação e pelo mercado global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores. "Toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de cultura que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, dando uma razão de ser para a existência" - escreveu Vargas Llosa. Passamos a viver diante de telas - ou TV ou "games" que nos matam a fome de sentido. Surgiu uma "segunda vida" digital e audiovisual que nos afasta do antigo vazio da realidade misteriosa. Nas telas, nos games, nossa existência se explica; é só seguir as regras do jogo. Agora, na falta das "grandes narrativas" do passado, estamos a idealizar irrelevâncias, porque ali pode haver pistas para novas "verdades" a desvelar. 
Mais aqui >  O enorme presente

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