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No Estadão
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lança neste mês um novo livro: A Miséria da Política (Ed. Civilização Brasileira, R$ 42), reunião de artigos publicados no Estado e no jornal O Globo entre 2010 e 2015 - acrescidos da transcrição de dois discursos. O saldo da coletânea é, segundo seu autor, um panorama da derrocada da era petista no Palácio do Planalto (o "lulopetismo"), expressada pela crise da atual gestão Dilma Rousseff.
"Você entende melhor os processos políticos quando eles estão em declínio", afirma FHC, ao comentar o resultado da compilação de artigos. Para ele, o desfecho da atual crise está fora do alcance da política e dos políticos. "Não sabemos quais atores políticos estarão em pé daqui a três meses". O futuro passa pela Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobrás, e pela recuperação ou não da economia, diz FHC. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado em seu apartamento, em São Paulo:
"Você entende melhor os processos políticos quando eles estão em declínio", afirma FHC, ao comentar o resultado da compilação de artigos. Para ele, o desfecho da atual crise está fora do alcance da política e dos políticos. "Não sabemos quais atores políticos estarão em pé daqui a três meses". O futuro passa pela Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobrás, e pela recuperação ou não da economia, diz FHC. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado em seu apartamento, em São Paulo:
Como o senhor entende as ações no Tribunal Superior Eleitoral
contra a campanha de Dilma e o julgamento das contas do governo no
Tribunal de Contas da União? São tentativas de golpe?
Eu enxergo um grande progresso no Brasil porque as instituições, bem ou mal, estão funcionando. No passado, em situação equivalente, nós estávamos discutindo os nomes dos generais. Agora, nós estamos discutindo os nomes dos juízes. Falar em golpe me parece exagero daqueles que nunca foram realmente democratas, porque ninguém está propondo o golpe, que eu saiba. Pode ter grupos maluquetes que vão para as ruas pedir a volta dos militares, mas os militares não querem. Então, não tem fundamento efetivo. Isso é manipulado politicamente para dizer que 'é um golpe', mas nunca vi golpe que passa por um debate livre, que parte para os tribunais, não há nada de golpe.
O que o senhor define como lulopetismo no seu livro?
Você entende melhor os processos políticos quando eles estão em declínio, quando está no auge, você tem só entusiasmo. O que eu chamo de lulopetismo é o fato de você ter tido um partido, que era o PT, e um líder com força mítica, que era o Lula, que simbolizava a ascensão social e a ligação com a massa. O que eles fizeram? Qual era a visão desse partido? Se era socialista, nunca se traduziu numa política pró-socialismo, não existe isso. Por outro lado, eles foram assumindo crescentemente uma política que é a expressão muito mais de uma visão de capitalismo dirigido, de Estado, com forte ingerência no mercado e com tinturas de distribuição de renda. A partir da crise de 2007 e 2008, o lulopetismo passou a se revelar mais claramente porque eles manobraram bem na crise, fizeram uma política anticíclica e decidiram voltar às verdadeiras ideias: mais Estado e mais consumo, e o consumo gera o crescimento. Isso foi o que estourou, que arrebentou do ponto de vista econômico. Isso é o que eu chamo de lulopetismo. A aliança de crescimento com mais Estado e com mais consumo.
O que o senhor pretendia quando pediu a renúncia da presidente?
Fiz uma declaração no Facebook em que eu dizia: 'ou ela renuncia, ou ela assume a liderança, ou nós vamos ficar no ramerrão, que vai continuar sendo movido pela crise econômica e pela Lava Jato'. Como o poder está se esfarinhando, a maneira menos dolorosa de se fazer uma passagem seria ela entender que isso é necessário. Mas eu sei que é difícil, seria difícil para qualquer um. Dilma provavelmente não acha que está num beco sem saída, e eu também acho que ela ainda não está. Eu coloquei uma hipótese, coloquei um caminho: ou a renúncia ou fica tudo como está ou ela assume o comando. Eu não falei das saídas pelos tribunais. Ela está hesitante entre 'vou poder liderar' ou 'vou deixar que a coisa ande'. Para poder liderar, ela fez uma coisa complicada porque ela delegou o poder na economia a uma pessoa que pensa diferente dela, o ministro Joaquim Levy (Fazenda), e na política ao vice-presidente Michel Temer, que agora recuou e deixou a articulação. Nós continuamos nesse impasse. Não está claro qual vai ser o desdobramento disso. O motor que impele o processo não está sob o controle político. Ele é formado pela Lava Jato e pela crise econômica. Ele é que vai impelindo alguma saída. Agora, o que vem depois? É difícil de você dizer porque nós não sabemos quais atores políticos estarão em pé daqui a três meses.
Temer afirmou que Dilma não suportará a baixa popularidade por três anos e meio...
Isso dito pelo vice-presidente isso tem peso, porque ele está lá no governo. O poder de Dilma, a gestão Dilma, vai se desmilinguindo, esfarinhando, a gente viu isso em vários momentos, no momento do Jango (1964), do Collor (1992), por razões diferentes e de formas diferentes. Ela pode reagir? Pode, ela pode tentar assumir o comando. Mas como? Tem que mudar de base? Quando os ventos são favoráveis, você reconstrói facilmente a sua base de sustentação. Mas a economia não vai bem e nós passamos de um presidencialismo de coalizão para um presidencialismo de cooptação. Isso muda muitas coisas porque distorce as instituições de representação. A base de sustentação foi ficando cada vez mais fisiológica, clientelista. Eu não creio que a Dilma, pessoalmente, tenha afinidade com isso, mas ela está envolvida nesse processo. Ela tentou em vários momentos sair da armadilha. Mas sair com quem? Ela vai mudar de campo? Não pode mudar de campo. Então, fica difícil.
O senhor acha que um governo Temer pode ser a solução?
Isso havendo impeachment, né? Agora, o problema continuará em pé. Não é só para o Temer. Qualquer um que vá para o governo hoje vai se defrontar com um panorama político muito difícil, não é só o econômico, o político também. Eles estão ligados. Porque o econômico precisa de confiança e esse sistema não gera confiança. Quem quer que vá para o poder, a própria Dilma, quem quer que esteja no poder, tem a obrigação de tentar mudar esse sistema político brasileiro.
Como o PSDB deve se manter nesse processo?
Com cautela. O PSDB tem que mostrar claramente qual é sua posição, mas os passos têm que ser muito pensados em caso de impeachment. Você tem que ter algo objetivo. Impeachment não é uma vontade, porque aí é golpe. Impeachment é quando você tem realmente o esfarelamento do poder e junto com isso uma responsabilidade de quem está dirigindo. Não está clara responsabilidade moral de quem está dirigindo nos malfeitos. Isso vai passar pelos tribunais, o que o TCU (Tribunal de Contas da União que ira julgar o caso das pedaladas, as manobras fiscais) vai dizer. Não acho que o PSDB vai se pôr à frente disso. Até porque é um erro político. A menos que seja claro algum ilícito. Suponhamos que dessas delações apareça claramente uma incompatibilidade criminal. Aí não tem jeito. Se houver um fato concreto, vai fazer o quê? Mas não é o que se deseja. Entendo que a população queira tirar a Dilma. Tudo bem, mas é um sentimento periférico, mas e depois? E as instituições? Qual é a base para se tirar? Não pode. Você tem que seguir a Constituição.
Mas, no entender do senhor, qual seria saída para ela permanecer com força na Presidência?
Ela tem que reconhecer que o que eles fizeram estava errado. Não é ato de contrição católico ou autocrítica comunista, não. É para poder ter apoio, dizer: 'eu errei nisso, nisso e nisso'. Ela não acha isso. Ela põe agora o Levy porque ele tapa um buraco, ele é um esparadrapo. Não é que ela ache 'eu fiz o buraco e não vou fazer outro'. Ela põe o esparadrapo e vai fazer outro buraco. Aí não dá.
Como o senhor interpreta as movimentações do ex-presidente Lula nesta crise?
O Lula tem idade para poder aspirar voltar ao poder, voltar a governar. Só fica ruim quando ele, como ex-presidente, acelera a divisão no País. Você, quando força a divisão de um país, a reconstrução leva muito tempo. Eu não acho que seja saudável. Aliás, eu não acho que seja saudável esse antipetismo irracional. Nem é o que eu faço. Acho que tem que fazer uma análise, mas não criar 'o PT é o demônio'. Não, errou aqui ou ali, no meu julgamento. O PT tem um germe de hegemonia que eu acho que é ruim: 'eu mando, você obedece'. E a democracia não é isso: eu mando hoje e amanhã eu obedeço. O PT tem que aprender que hoje ele manda e amanhã vai obedecer e, quando ele obedecer, não queira arrasar com quem está mandando.
O senhor tem mágoas da 'herança maldita' que o PT criou para se referiu ao seu governo?
Foi um erro deles. Isso os levou a ser incumbidos pelo atraso. Em vez de terem uma relação saudável com o PSDB, foram ter uma relação maléfica com os setores mais atrasados. A vítimas foram eles próprios e o Brasil, não fui eu. A história passa, você volta...
Na hipótese de Michel Temer assumir o governo, qual deverá ser a posição do PSDB?
Em qualquer circunstância, o PSDB tem que ser coerente com a sua história. Eu não defendo o 'quanto pior, melhor'. Eu não acho que o PSDB tenha que votar contra tudo só porque veio do governo.
O que senhor achou do bonecão do Lula como presidiário?
Foi a coisa mais deletéria que já houve para o Lula. Porque é simbólico. Não acho que seja desrespeito, a situação levou a isso. O que estão dizendo ali é: 'até você pode ser atingido'.
Eu enxergo um grande progresso no Brasil porque as instituições, bem ou mal, estão funcionando. No passado, em situação equivalente, nós estávamos discutindo os nomes dos generais. Agora, nós estamos discutindo os nomes dos juízes. Falar em golpe me parece exagero daqueles que nunca foram realmente democratas, porque ninguém está propondo o golpe, que eu saiba. Pode ter grupos maluquetes que vão para as ruas pedir a volta dos militares, mas os militares não querem. Então, não tem fundamento efetivo. Isso é manipulado politicamente para dizer que 'é um golpe', mas nunca vi golpe que passa por um debate livre, que parte para os tribunais, não há nada de golpe.
O que o senhor define como lulopetismo no seu livro?
Você entende melhor os processos políticos quando eles estão em declínio, quando está no auge, você tem só entusiasmo. O que eu chamo de lulopetismo é o fato de você ter tido um partido, que era o PT, e um líder com força mítica, que era o Lula, que simbolizava a ascensão social e a ligação com a massa. O que eles fizeram? Qual era a visão desse partido? Se era socialista, nunca se traduziu numa política pró-socialismo, não existe isso. Por outro lado, eles foram assumindo crescentemente uma política que é a expressão muito mais de uma visão de capitalismo dirigido, de Estado, com forte ingerência no mercado e com tinturas de distribuição de renda. A partir da crise de 2007 e 2008, o lulopetismo passou a se revelar mais claramente porque eles manobraram bem na crise, fizeram uma política anticíclica e decidiram voltar às verdadeiras ideias: mais Estado e mais consumo, e o consumo gera o crescimento. Isso foi o que estourou, que arrebentou do ponto de vista econômico. Isso é o que eu chamo de lulopetismo. A aliança de crescimento com mais Estado e com mais consumo.
O que o senhor pretendia quando pediu a renúncia da presidente?
Fiz uma declaração no Facebook em que eu dizia: 'ou ela renuncia, ou ela assume a liderança, ou nós vamos ficar no ramerrão, que vai continuar sendo movido pela crise econômica e pela Lava Jato'. Como o poder está se esfarinhando, a maneira menos dolorosa de se fazer uma passagem seria ela entender que isso é necessário. Mas eu sei que é difícil, seria difícil para qualquer um. Dilma provavelmente não acha que está num beco sem saída, e eu também acho que ela ainda não está. Eu coloquei uma hipótese, coloquei um caminho: ou a renúncia ou fica tudo como está ou ela assume o comando. Eu não falei das saídas pelos tribunais. Ela está hesitante entre 'vou poder liderar' ou 'vou deixar que a coisa ande'. Para poder liderar, ela fez uma coisa complicada porque ela delegou o poder na economia a uma pessoa que pensa diferente dela, o ministro Joaquim Levy (Fazenda), e na política ao vice-presidente Michel Temer, que agora recuou e deixou a articulação. Nós continuamos nesse impasse. Não está claro qual vai ser o desdobramento disso. O motor que impele o processo não está sob o controle político. Ele é formado pela Lava Jato e pela crise econômica. Ele é que vai impelindo alguma saída. Agora, o que vem depois? É difícil de você dizer porque nós não sabemos quais atores políticos estarão em pé daqui a três meses.
Temer afirmou que Dilma não suportará a baixa popularidade por três anos e meio...
Isso dito pelo vice-presidente isso tem peso, porque ele está lá no governo. O poder de Dilma, a gestão Dilma, vai se desmilinguindo, esfarinhando, a gente viu isso em vários momentos, no momento do Jango (1964), do Collor (1992), por razões diferentes e de formas diferentes. Ela pode reagir? Pode, ela pode tentar assumir o comando. Mas como? Tem que mudar de base? Quando os ventos são favoráveis, você reconstrói facilmente a sua base de sustentação. Mas a economia não vai bem e nós passamos de um presidencialismo de coalizão para um presidencialismo de cooptação. Isso muda muitas coisas porque distorce as instituições de representação. A base de sustentação foi ficando cada vez mais fisiológica, clientelista. Eu não creio que a Dilma, pessoalmente, tenha afinidade com isso, mas ela está envolvida nesse processo. Ela tentou em vários momentos sair da armadilha. Mas sair com quem? Ela vai mudar de campo? Não pode mudar de campo. Então, fica difícil.
O senhor acha que um governo Temer pode ser a solução?
Isso havendo impeachment, né? Agora, o problema continuará em pé. Não é só para o Temer. Qualquer um que vá para o governo hoje vai se defrontar com um panorama político muito difícil, não é só o econômico, o político também. Eles estão ligados. Porque o econômico precisa de confiança e esse sistema não gera confiança. Quem quer que vá para o poder, a própria Dilma, quem quer que esteja no poder, tem a obrigação de tentar mudar esse sistema político brasileiro.
Como o PSDB deve se manter nesse processo?
Com cautela. O PSDB tem que mostrar claramente qual é sua posição, mas os passos têm que ser muito pensados em caso de impeachment. Você tem que ter algo objetivo. Impeachment não é uma vontade, porque aí é golpe. Impeachment é quando você tem realmente o esfarelamento do poder e junto com isso uma responsabilidade de quem está dirigindo. Não está clara responsabilidade moral de quem está dirigindo nos malfeitos. Isso vai passar pelos tribunais, o que o TCU (Tribunal de Contas da União que ira julgar o caso das pedaladas, as manobras fiscais) vai dizer. Não acho que o PSDB vai se pôr à frente disso. Até porque é um erro político. A menos que seja claro algum ilícito. Suponhamos que dessas delações apareça claramente uma incompatibilidade criminal. Aí não tem jeito. Se houver um fato concreto, vai fazer o quê? Mas não é o que se deseja. Entendo que a população queira tirar a Dilma. Tudo bem, mas é um sentimento periférico, mas e depois? E as instituições? Qual é a base para se tirar? Não pode. Você tem que seguir a Constituição.
Mas, no entender do senhor, qual seria saída para ela permanecer com força na Presidência?
Ela tem que reconhecer que o que eles fizeram estava errado. Não é ato de contrição católico ou autocrítica comunista, não. É para poder ter apoio, dizer: 'eu errei nisso, nisso e nisso'. Ela não acha isso. Ela põe agora o Levy porque ele tapa um buraco, ele é um esparadrapo. Não é que ela ache 'eu fiz o buraco e não vou fazer outro'. Ela põe o esparadrapo e vai fazer outro buraco. Aí não dá.
Como o senhor interpreta as movimentações do ex-presidente Lula nesta crise?
O Lula tem idade para poder aspirar voltar ao poder, voltar a governar. Só fica ruim quando ele, como ex-presidente, acelera a divisão no País. Você, quando força a divisão de um país, a reconstrução leva muito tempo. Eu não acho que seja saudável. Aliás, eu não acho que seja saudável esse antipetismo irracional. Nem é o que eu faço. Acho que tem que fazer uma análise, mas não criar 'o PT é o demônio'. Não, errou aqui ou ali, no meu julgamento. O PT tem um germe de hegemonia que eu acho que é ruim: 'eu mando, você obedece'. E a democracia não é isso: eu mando hoje e amanhã eu obedeço. O PT tem que aprender que hoje ele manda e amanhã vai obedecer e, quando ele obedecer, não queira arrasar com quem está mandando.
O senhor tem mágoas da 'herança maldita' que o PT criou para se referiu ao seu governo?
Foi um erro deles. Isso os levou a ser incumbidos pelo atraso. Em vez de terem uma relação saudável com o PSDB, foram ter uma relação maléfica com os setores mais atrasados. A vítimas foram eles próprios e o Brasil, não fui eu. A história passa, você volta...
Na hipótese de Michel Temer assumir o governo, qual deverá ser a posição do PSDB?
Em qualquer circunstância, o PSDB tem que ser coerente com a sua história. Eu não defendo o 'quanto pior, melhor'. Eu não acho que o PSDB tenha que votar contra tudo só porque veio do governo.
O que senhor achou do bonecão do Lula como presidiário?
Foi a coisa mais deletéria que já houve para o Lula. Porque é simbólico. Não acho que seja desrespeito, a situação levou a isso. O que estão dizendo ali é: 'até você pode ser atingido'.
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