Editorial - Estadão
O debate sobre o financiamento eleitoral está contaminado pela presunção de que todos os partidos e políticos são corruptos por definição, cabendo ao Estado agir para que esse suposto caráter inato não se manifeste. Segundo esse argumento, o veto às doações de empresas para as campanhas, decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), vai estimular a formação de caixa dois, isto é, o financiamento à margem dos controles públicos.
Ora, é preciso ficar claro que os partidos e os políticos já captavam esses “recursos não contabilizados” quando era legal receber dinheiro de empreiteiras, bancos e grandes companhias privadas. O mensalão e o petrolão estão aí como a maior prova disso. Ou seja, políticos corruptos serão sempre corruptos até que suas trajetórias públicas sejam interrompidas e seus crimes sejam punidos com os rigores da lei.
O problema das doações de pessoas jurídicas pode até ser de natureza moral, como querem fazer crer os que enxergam as traficâncias entre empresas e partidos como próprias do mundo político. Antes de tudo, porém, trata-se basicamente de uma questão política, pois essas contribuições, que fazem dos eleitos potenciais comissários das empresas no Executivo e no Legislativo, ferem o princípio democrático segundo o qual todos os eleitores são iguais. Foi isso o que concluiu o STF, que também salientou o desequilíbrio causado pelo poder econômico sobre as eleições.
Uma vez declarada a ilicitude das relações promíscuas das empresas com o poder público e com os partidos políticos, ao contrário do que se diz, certamente diminuirá o fluxo de dinheiro clandestino. Esse efeito já é obtido pela Operação Lava Jato, cujos procuradores defendem que se mude a lei para criar a responsabilidade objetiva dos partidos por caixa dois e por lavagem de dinheiro de campanha. Hoje em dia, é raro a empresa que aceite os riscos de manter caixa dois para financiar negócios obscuros ou para sonegar. Certamente não ampliarão esses riscos para alimentar, com dinheiro desviado da contabilidade legal, o caixa dois de partidos políticos. Os empresários já pensam duas vezes antes de fazer contribuições eleitorais mesmo como pessoas físicas, abalados que estão com a visão dos mais poderosos empreiteiros do País atrás das grades, enrascados depois de pagarem propinas disfarçadas de doações eleitorais aparentemente legais. Já não se animam a financiar palanques.
Dessa forma, a decisão do STF - que derrubou inclusive a possibilidade de que empresas possam doar a partidos mesmo em anos não eleitorais - enquadra-se num esforço saneador cujo efeito imediato será obrigar as legendas e seus candidatos a buscar recursos legais, que obviamente serão muito mais escassos que os ilegais. Não será fácil. Como lembrou recente reportagem do Estado, dois terços de todo o dinheiro que entrou nos cofres do PT, do PMDB e do PSDB entre 2010 e 2014 vieram de contribuições de empresas.
Esse novo cenário levou os críticos da decisão do STF a argumentar também que, agora, somente os candidatos mais conhecidos - como os atores, os palhaços e os apresentadores de TV - terão visibilidade eleitoral, inviabilizando a construção de candidaturas de gente comum. Mais uma vez, trata-se de uma falácia: desde sempre, figuras notórias puxam votos, sem que isso represente prejuízo irremediável para a democracia ou impeça a renovação da representação popular.
O grande prejuízo se dá quando os partidos se viciam em dinheiro farto, transformando as campanhas eleitorais em espetáculos dirigidos por marqueteiros que hoje são, na prática, os responsáveis por formular o programa dos candidatos. Assim, não será surpresa se, para substituir a fartura das “doações” empresariais, os partidos pleitearem ainda mais dinheiro do Fundo Partidário e a ampliação da propaganda eleitoral dita “gratuita”, que de gratuita não tem nada, pois é financiada por meio de renúncia fiscal. Em ambos os casos, o contribuinte banca as despesas de partidos com os quais não tem necessariamente alguma afinidade. É um óbvio disparate. Para que a política volte a ter a substância que uma democracia madura exige, é preciso acabar de uma vez por todas com esse doping eleitoral.
O debate sobre o financiamento eleitoral está contaminado pela presunção de que todos os partidos e políticos são corruptos por definição, cabendo ao Estado agir para que esse suposto caráter inato não se manifeste. Segundo esse argumento, o veto às doações de empresas para as campanhas, decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), vai estimular a formação de caixa dois, isto é, o financiamento à margem dos controles públicos.
Ora, é preciso ficar claro que os partidos e os políticos já captavam esses “recursos não contabilizados” quando era legal receber dinheiro de empreiteiras, bancos e grandes companhias privadas. O mensalão e o petrolão estão aí como a maior prova disso. Ou seja, políticos corruptos serão sempre corruptos até que suas trajetórias públicas sejam interrompidas e seus crimes sejam punidos com os rigores da lei.
O problema das doações de pessoas jurídicas pode até ser de natureza moral, como querem fazer crer os que enxergam as traficâncias entre empresas e partidos como próprias do mundo político. Antes de tudo, porém, trata-se basicamente de uma questão política, pois essas contribuições, que fazem dos eleitos potenciais comissários das empresas no Executivo e no Legislativo, ferem o princípio democrático segundo o qual todos os eleitores são iguais. Foi isso o que concluiu o STF, que também salientou o desequilíbrio causado pelo poder econômico sobre as eleições.
Uma vez declarada a ilicitude das relações promíscuas das empresas com o poder público e com os partidos políticos, ao contrário do que se diz, certamente diminuirá o fluxo de dinheiro clandestino. Esse efeito já é obtido pela Operação Lava Jato, cujos procuradores defendem que se mude a lei para criar a responsabilidade objetiva dos partidos por caixa dois e por lavagem de dinheiro de campanha. Hoje em dia, é raro a empresa que aceite os riscos de manter caixa dois para financiar negócios obscuros ou para sonegar. Certamente não ampliarão esses riscos para alimentar, com dinheiro desviado da contabilidade legal, o caixa dois de partidos políticos. Os empresários já pensam duas vezes antes de fazer contribuições eleitorais mesmo como pessoas físicas, abalados que estão com a visão dos mais poderosos empreiteiros do País atrás das grades, enrascados depois de pagarem propinas disfarçadas de doações eleitorais aparentemente legais. Já não se animam a financiar palanques.
Dessa forma, a decisão do STF - que derrubou inclusive a possibilidade de que empresas possam doar a partidos mesmo em anos não eleitorais - enquadra-se num esforço saneador cujo efeito imediato será obrigar as legendas e seus candidatos a buscar recursos legais, que obviamente serão muito mais escassos que os ilegais. Não será fácil. Como lembrou recente reportagem do Estado, dois terços de todo o dinheiro que entrou nos cofres do PT, do PMDB e do PSDB entre 2010 e 2014 vieram de contribuições de empresas.
Esse novo cenário levou os críticos da decisão do STF a argumentar também que, agora, somente os candidatos mais conhecidos - como os atores, os palhaços e os apresentadores de TV - terão visibilidade eleitoral, inviabilizando a construção de candidaturas de gente comum. Mais uma vez, trata-se de uma falácia: desde sempre, figuras notórias puxam votos, sem que isso represente prejuízo irremediável para a democracia ou impeça a renovação da representação popular.
O grande prejuízo se dá quando os partidos se viciam em dinheiro farto, transformando as campanhas eleitorais em espetáculos dirigidos por marqueteiros que hoje são, na prática, os responsáveis por formular o programa dos candidatos. Assim, não será surpresa se, para substituir a fartura das “doações” empresariais, os partidos pleitearem ainda mais dinheiro do Fundo Partidário e a ampliação da propaganda eleitoral dita “gratuita”, que de gratuita não tem nada, pois é financiada por meio de renúncia fiscal. Em ambos os casos, o contribuinte banca as despesas de partidos com os quais não tem necessariamente alguma afinidade. É um óbvio disparate. Para que a política volte a ter a substância que uma democracia madura exige, é preciso acabar de uma vez por todas com esse doping eleitoral.
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