Editorial - Estadão
As decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira passada têm o claro efeito de opor dificuldades à tramitação do impeachment da presidente da República. A notícia foi recebida com regozijo por um governo impopular e com tristeza pela maioria dos brasileiros, que querem ver Dilma Rousseff pelas costas. Mas, em respeito ao Estado de Direito, impõe-se acatar o que foi decidido. Ceder à tentação de acusar a Suprema Corte de ter-se deixado levar por motivação política equivaleria a adotar a mesma reprovável postura dos petistas que, no julgamento do mensalão, rejeitaram a condenação de seus correligionários promovidos a “guerreiros do povo brasileiro”, porque teriam sido sentenciados “sem provas”. Verdadeiros democratas aprendem a lutar por seus direitos e convicções nos limites estritos da lei, o que não elide a possibilidade de mudar a lei. Por outro lado, é tentador o apelo a teorias conspirativas, mas também elas não contribuem para o saudável dissenso que é indispensável à dinâmica e à construção dos avanços de uma sociedade livre. Ademais, a sessão de quinta-feira do STF demonstra que teorias conspirativas baseadas no retrospecto de comportamentos individuais – no caso, dos ministros – correm alto risco de se revelarem completamente infundadas.
As repercussões das decisões da Suprema Corte nos círculos jurídicos têm levantado ampla controvérsia sobre a possibilidade de os ministros togados terem em alguma medida avançado sobre área de competência exclusiva dos congressistas, ao definirem em pormenores o rito do processo de impeachment. Por exemplo, o tipo de votação, aberta ou secreta, para a formação das comissões que, primeiro na Câmara e posteriormente, se for o caso, também no Senado, devem decidir sobre a admissibilidade do processo de impeachment.
O que importa, de todo modo, é que do desfecho do processo de impeachment de Dilma Rousseff, a ser alcançado na área estritamente política, depende a superação do impasse que mantém o governo paralisado, agravando a crise econômica. É hora, portanto, de olhar para a frente. O destino de Dilma Rousseff continua dependendo, exclusivamente, dos deputados e senadores que o povo brasileiro elegeu para serem os intérpretes de seus anseios.
E depois que a Suprema Corte, a partir de ação motivada pelo caso específico contra Dilma Rousseff, convalidou todo o rito do procedimento do impeachment, ninguém mais – principalmente os governistas – poderá alegar que o recurso a esse preceito constitucional equivale a um “golpe” urdido pelos “inimigos da democracia”, com o objetivo nefasto de promover o “terceiro turno” das eleições presidenciais de 2014.
Há um consenso nacional de que é indispensável pacificar urgentemente o campo político e que duas questões vitais precisam ser resolvidas: o impeachment de Dilma e a controvérsia criada na Câmara pela delicada situação de seu presidente, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Diante disso, torna-se inevitável indagar a razão pela qual, diante de uma preciosa oportunidade de avançar significativamente na questão, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato, adiou para depois do recesso do Judiciário a apreciação do pedido de suspensão do mandato de Eduardo Cunha feito pela Procuradoria-Geral da República. É inegável que o tempo antes do início do recesso era curto, mas a enorme relevância do assunto exigia um tour de force do STF ou, no mínimo, uma decisão liminar monocrática.
O resultado prático da decisão protelatória do ministro Teori Zavascki foi que Eduardo Cunha garantiu mais dois meses de mandato e Dilma, o mesmo tempo para continuar se escondendo atrás dele, que é provavelmente seu maior inimigo político, mas também – pelas artes da política – seu melhor trunfo para escapar do impeachment.
Dois meses podem ser tempo demais para instituições que esgotam rapidamente as suas reservas de decência.
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