Editorial - Estadão
O crescimento vertiginoso do número de processos em tramitação nos 91 tribunais brasileiros compromete a eficácia dos 3 mecanismos processuais – a súmula vinculante, a cláusula impeditiva de recursos e o princípio da repercussão geral – introduzidos há mais de 10 anos pela Emenda Constitucional 45, com o objetivo de desafogar o Poder Judiciário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, há nos foros um processo em andamento para cada dois habitantes. São mais de 100 milhões de ações judiciais para uma população de 204 milhões de pessoas. Medida pelo número de processos, entre 2009 e 2014, a litigiosidade aumentou num ritmo duas vezes superior ao do crescimento da população. Além disso, a taxa de congestionamento continua elevada – de cada 100 processos em tramitação no ano passado, 71 ficaram sem solução definitiva.Tendo começado 2015 com um estoque de mais de 351 mil ações e registrado no decorrer do ano um aumento significativo no número de recursos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que é a última instância da Justiça Federal – decidiu mudar o regimento interno e investir em racionalização administrativa para tentar conter o excesso de processos levados à Corte. Só no primeiro semestre, foram protocolados 127,3 mil recursos, que se somaram aos 389 mil pendentes desde 2014. Em média, cada um dos ministros recebeu, para relatar, um número de recursos 20% superior ao volume de trabalho de 2014. Um desses recursos – o Recurso Especial n.º 0142548-2 – tinha a seguinte ementa: “Embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso especial”. A ementa sintetizava uma sucessão de recursos que pleiteavam a reabertura de uma sentença já julgada em caráter definitivo num caso criminal. Ela foi classificada pelo sistema eletrônico do tribunal da seguinte forma: “EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Recurso Especial”.
Com a mudança do regimento, o STJ pretende convocar 53 juízes federais para auxiliar os 33 ministros da Corte. Até agora, só era permitida a convocação de magistrados para auxiliar a Corte Especial, integrada pelos 15 ministros mais antigos do STJ. Outra medida é a ampliação do Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, com o objetivo de identificar nas instâncias inferiores da Justiça Federal causas que podem possibilitar a entrada de milhares de novos processos na última instância.
Essa identificação já vem sendo feita por meio de um contato permanente entre o STJ e outros tribunais sobre os chamados processos de massa. Um dos casos identificados foi a discussão da legalidade dos serviços de pontuação de crédito. Juízes de Porto Alegre, onde tramitavam mais de 28 mil processo sobre a matéria, pediram ao STJ que classificasse o tema como recurso repetitivo. A sugestão foi aceita e a decisão do caso foi aplicada a 200 mil ações que tramitavam em outras instâncias.
Outra forma de identificação dos processos repetitivos é a promovida pelos próprios ministros do STJ. “Eles identificam os temas repetitivos e se a ação demora para ser colocada em pauta, entramos em contato com o relator e pedimos que julgue a questão mais rapidamente”, diz o coordenador do Núcleo, ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Com base nessas medidas, o STJ tenta se antecipar na escolha de ações cujo teor é comum a milhares de outras. Além disso, a Corte implantou outro núcleo para fazer uma avaliação inicial dos recursos. A ideia é identificar, antes de serem distribuídos, ações fora do prazo, ações que não tiveram recolhimento de custas e ações que tratem de temas que já estão em repercussão geral. “Faz-se uma triagem do cumprimento dos requisitos formais do recurso, para tirar-se os inadmissíveis”, afirma o ministro Luis Felipe Salomão.
Os esforços da Corte para conter a enxurrada de processos retratam um sistema judicial excessivo em formalidades. Apesar das reformas a que a legislação processual civil tem sido submetida, essas formalidades continuam, resultando numa profusão de expedientes protelatórios para evitar condenações definitivas.
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