O jornalista Andrea Tornielli é recebido pelo papa Francisco no Vaticano com a edição italiana do livro
Folha de SP
O vaticanista Andrea Tornielli, 51, do diário italiano "La Stampa", diz que se sente incomodado por passar a impressão de "bancar o defensor" do papa Francisco, mas acaba fazendo uma comparação bíblica ao falar dos críticos do pontífice.
"Eles me lembram o que os fariseus e outros oponentes de Jesus tentavam fazer, colocar diante dele questões cujo único objetivo é pô-lo em dificuldade", afirmou Tornielli em entrevista telefônica à Folha.
Conversas do vaticanista com o papa sobre misericórdia se transformaram no primeiro livro lançado por Francisco após assumir o pontificado, com o título "O Nome de Deus é Misericórdia", que chega ao Brasil em fevereiro pela Editora Planeta.
Tornielli diz ainda que a oposição ao atual chefe da Igreja Católica não difere tanto da enfrentada por outros papas recentes e adverte contra interpretações excessivamente políticas do debate sobre os rumos da Igreja estimulados pelo atual pontífice.
"Eles me lembram o que os fariseus e outros oponentes de Jesus tentavam fazer, colocar diante dele questões cujo único objetivo é pô-lo em dificuldade", afirmou Tornielli em entrevista telefônica à Folha.
Conversas do vaticanista com o papa sobre misericórdia se transformaram no primeiro livro lançado por Francisco após assumir o pontificado, com o título "O Nome de Deus é Misericórdia", que chega ao Brasil em fevereiro pela Editora Planeta.
Tornielli diz ainda que a oposição ao atual chefe da Igreja Católica não difere tanto da enfrentada por outros papas recentes e adverte contra interpretações excessivamente políticas do debate sobre os rumos da Igreja estimulados pelo atual pontífice.
Folha - A introdução do livro dá a impressão de que foi fácil convencer o papa a conceder entrevistas. Foi mesmo?
Andrea Tornielli - Sim. É claro que me ajudou o fato de já termos
um contato, eu já o havia entrevistado antes. Mas é verdade, uma vez
que propus o projeto, não tive grandes dificuldades. No texto, assim
como em suas homilias, o papa assume uma postura de pároco de cidade
pequena, com raciocínio muito simples e direto.
Os críticos de Francisco dizem que um dos problemas dele é esse, não
alcançar um nível de pensamento teológico e filosófico elevado. O que o
sr. pensa a esse respeito?
Não quero bancar o defensor do papa e não sou teólogo. Minha impressão é
que faz esse tipo de crítica talvez não conheça tanta teologia e não
diferencie o profundo do simplesmente complicado.
Ao longo da história da Igreja, os grandes teólogos e os grandes santos
sabiam dizer as coisas de maneira a tocar o coração das pessoas, e isso
só é possível quando se fala com simplicidade.
O papa às vezes é deliberadamente ambíguo naquilo que diz, na sua opinião?
De novo, não acho que me caiba defender o papa.
Se alguém acha que essa ambiguidade existe, deve questionar o próprio
Francisco, ou o padre [Federico] Lombardi [porta-voz papal e chefe de
imprensa da Santa Sede], e assim por diante.
Sinceramente, não percebo isso nas homilias que ele faz nas missas na
Casa Santa Marta ou em seus discursos. O que noto é o que parece ser uma
tentativa de reforma da Igreja que tenta voltar o máximo ao Evangelho.
Os críticos mais severos de Francisco às vezes me lembram o que os fariseus e outros oponentes de Jesus tentavam fazer com ele.
É como quando perguntam a Jesus se era lícito curar um doente no sábado
[a lei de Moisés proibia trabalhar nesse dia], ou quando trazem uma
adúltera diante dele e questionam se ela deve ser apedrejada ou não.
É claro que tudo pode ser criticado, mas não vejo ambiguidade geral —no
máximo, alguns ruídos em declarações extemporâneas, no avião ou em
situações parecidas.
A impressão que tenho é que, para alguns, o papa nunca faz nada bom. Às
vezes acertam, mas um relógio parado também acerta a hora duas vezes por
dia.
O sr. pode dimensionar a força dos opositores de Francisco no
Vaticano e na Igreja italiana hoje? Seriam apenas os mais
tradicionalistas?
Opositores existem, mas isso não é uma novidade. Todos os papas dos
últimos 60 anos, 70 anos sofreram uma oposição forte dentro e fora da
Cúria [a burocracia do Vaticano], como foi o caso de Paulo 6º [pontífice
de 1963 a 1978] e do próprio Bento 16.
É claro que os clérigos fortemente tradicionalistas se sobressaem no
caso de Francisco, mas não creio que sejam seus únicos opositores.
Como o sr. interpreta o resultado do Sínodo da Família,
reunião de bispos que discutiu, por exemplo, se era possível que fiéis
divorciados comungassem? É simplista dizer que os membros do sínodo
próximos de Francisco tentaram uma posição mais ousada e tiveram de
recuar?
Sim, acho que essa seria uma interpretação excessivamente política do sínodo.
É claro que não se pode esquecer que o resultado do sínodo teve de ser
aprovado por dois terços dos participantes, ou seja, é um documento de
consenso que naturalmente foge dos extremos.
Pode-se discutir se o confronto foi entre esperanças de mudança e uma
certa nostalgia, mas não se deve esquecer que as discussões não foram
como as de um parlamento, mas as de uma assembleia eclesial, muito
diferente.
O que esperar do documento no qual o papa fará sua análise do sínodo?
Francisco tem defendido a necessidade de uma Igreja mais colegial, com
mais participação dos bispos nos rumos do catolicismo. Seria
contraditório que ele não ratificasse o que o sínodo propôs?
É muito difícil dizer qualquer coisa a esse respeito. Mas lembre-se de
que o sínodo é um organismo consultivo, não deliberativo. É claro que o
papa levará em conta as conclusões do sínodo, mas em última instância o
poder de decidir é sempre do papa.
Como vaticanistas como o sr. reagiram ao processo criminal aberto pelo Vaticano contra os jornalistas Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi,
cujas publicações denunciaram corrupção e malversação de dinheiro na
Cúria? Não é contraditório um papa como Francisco processá-los?
A decisão partiu da magistratura vaticana, por causa da divulgação de documentos considerados sensíveis pelo Estado do Vaticano.
Se resolvo publicar informações consideradas segredo de Estado, não
posso esperar que nada me aconteça, seja no Vaticano ou nos EUA.
Além disso, não me parece que o processo tenha a ver a com a publicação
das informações em si, mas sim com a tentativa de averiguar se os
jornalistas exerceram alguma pressão indevida para obtê-los.
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