Editorial - Estadão
Nem bem terminou a sessão da Câmara que aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o País foi informado de que, na Operação Lava Jato, surgiram mais indícios de crimes que teriam sido cometidos pela própria Dilma e por outras figuras de proa da República. Ao que parece, o impeachment, por mais dramático que seja, será apenas um capítulo, e não o epílogo, da purgação da política nacional.O nome da presidente foi citado na delação premiada de Diogo Ferreira, ex-chefe de gabinete do senador Delcídio Amaral. Ferreira informou aos investigadores que, segundo o que ouviu de Delcídio, Dilma pretendia interferir no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para “libertar réus importantes da Lava Jato”, citando “expressamente” o nome do empreiteiro Marcelo Odebrecht.
Dilma teria exigido que o desembargador Marcelo Navarro, nomeado por ela para o STJ, assumisse um “compromisso de alinhamento” com o governo. Toda essa negociação foi testemunhada por Delcídio, disse Ferreira, que participou de reuniões e trocou mensagens com personagens da suposta manobra - destinada a livrar igualmente os ex-diretores da Petrobrás Renato Duque e Nestor Cerveró. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, houve uma “trama espúria” no Palácio do Planalto.
Na segunda-feira, foi a vez de Cerveró dizer ao juiz Sérgio Moro que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), recebeu propina de US$ 6 milhões de um dos operadores do petrolão. Não foi possível saber mais detalhes porque Moro pediu ao depoente que parasse de falar, já que se tratava de citação de acusado com foro privilegiado.
No entanto, mesmo breve e incompleta, essa menção a Renan, no momento em que ele se prepara para presidir o decisivo trâmite do processo de impeachment no Senado, é suficiente para devolver o nome do parlamentar à berlinda, de onde ele tentava fugir de todas as maneiras. Agora, mais do que nunca, Renan usará o poder que tem sobre o processo contra Dilma para tentar escapulir do cerco judicial.
Outro que usa o cargo para evitar o acerto de contas com a Justiça é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e sua habilidade permitiu até agora que, mesmo diante de gritantes evidências de crimes financeiros os mais diversos, ele pudesse conduzir a sessão do impeachment de Dilma. Mas, dois dias antes da sessão, o deputado voltou a ficar no centro do noticiário policial, quando se divulgou a delação de Ricardo Pernambuco Júnior, dono da Carioca Engenharia. Segundo o empreiteiro, as empresas envolvidas na construção do Porto Maravilha, programa de revitalização da zona portuária do Rio, deveriam pagar R$ 52 milhões de propina a Cunha.
Perito em manobrar o regimento da Câmara para se livrar da cassação, Cunha até agora foi bem-sucedido - e seus aliados já dizem que o deputado deverá até mesmo completar seu mandato. No entanto, Cunha não tem mais o impeachment como trunfo, e isso deve reduzir drasticamente seu poder de barganha.
Por fim, a semana do impeachment reservou dor de cabeça adicional ao grande chefe petista, Luiz Inácio Lula da Silva. Um laudo da Polícia Federal indicou que o ex-presidente recebeu R$ 3,6 milhões da Andrade Gutierrez, entre 2011 e 2014. Os valores transitaram por uma conta usada pela empreiteira para pagar empresas investigadas por lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato.
Nesse cenário, a única certeza é que não se sabe o que mais está por vir. O impeachment de Dilma, hoje dado como certo, não encerrará, em nenhuma hipótese, a marcha de acontecimentos que já ninguém controla. Por mais que Dilma apele a seu passado de torturada pela ditadura para se dizer perseguida, por mais que Renan e Cunha se julguem protegidos pelos cargos que ocupam, por mais que Lula pense estar acima da lei por se considerar o salvador dos pobres, todos eles, e também seus inúmeros cúmplices, muitos em posição de destaque na política e na economia, terão de se ver com a Justiça, mais cedo ou mais tarde. Que o País tenha firmeza e serenidade para enfrentar os próximos capítulos desse intenso drama.
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