Editorial - Estadão
Um dos desdobramentos mais relevantes do provável afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT) será a oportunidade aberta a novas forças políticas de usufruir dos dividendos eleitorais gerados pelos programas de proteção social ampliados na última década, em particular o Bolsa Família. Sintomaticamente, Dilma acusa aqueles que chama de "golpistas" de tramar cortes nos benefícios. "Mentira rasteira", rebateu o vice Michel Temer (PMDB).
A cúpula peemedebista prepara um texto com diagnósticos e diretrizes para as áreas de educação, saúde, previdência e assistência —espécie de segundo tomo do plano "Uma Ponte para o Futuro", de 2015, por meio do qual o partido defendeu agenda econômica liberal.
Noticia-se que a coalizão de apoio a Temer cogita reajustar os desembolsos do Bolsa Família, congelados há dois anos dada a situação calamitosa das finanças.
Políticas de combate à pobreza e à desigualdade estão no centro do debate nacional desde a restauração da democracia. "Tudo pelo Social" era o lema do governo José Sarney (1985-1990), na primeira e, até aqui, única vez em que o PMDB ocupou o Palácio do Planalto.
Desde então, despesas públicas associadas a esse fim se mantêm em aumento constante, mas foram os governos petistas, por sorte, mérito e oportunismo, que as tomaram como marca principal.
Sorte, por terem desfrutado na década passada de um período de bonança econômica e menores constrangimentos orçamentários; mérito, pela escala inédita conferida à iniciativa bem-sucedida de transferência direta de renda a famílias selecionadas.
O PT, entretanto, atingiu níveis vulgares de oportunismo, e chegou mesmo à mendacidade, ao afirmar que a mera ascensão de seus adversários ameaçaria a clientela da seguridade, para nada falar da ampliação irresponsável de gastos promovida sob a gestão de Dilma.
Daqui para a frente, contudo, qualquer administração estará forçada a disciplinar a expansão do aparato de amparo social, até para garantir a própria sustentabilidade dos programas. Em vez da alocação automática de verbas, impõe-se o estabelecimento de prioridades e a correção de ineficiências.
O histórico do PMDB, diga-se, não o recomenda para a tarefa. Quando hegemônico, o partido incluiu regras perdulárias e disfuncionais na Constituição de 1988. Nos últimos anos, pautou-se pelo apoio conveniente às mais variadas demandas setoriais, sem maiores análises de custo-benefício.
Prestes a voltar à Presidência, o PMDB precisa não só lançar uma ponte para o futuro mas também provar que acertou contas com seu passado –mas não há evidências de que isso tenha ocorrido.
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