Editorial - Estadão
O governo terá de se empenhar num enorme trabalho de esclarecimento, se quiser mostrar à opinião pública por que é necessária uma nova reforma da Previdência. Se conseguir destrinchar o assunto para os cidadãos, terá maior facilidade para se entender com as centrais sindicais e para fazer avançar no Congresso o projeto de mudanças. A discussão em Brasília está muito longe da compreensão da maior parte das pessoas e isso foi confirmado, mais uma vez, por uma pesquisa recém-divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo a sondagem, 65% concordam total ou parcialmente com a fixação de uma idade mínima para as pessoas se aposentarem. No entanto, 75% rejeitam a ideia de retardar a aposentadoria de acordo com o envelhecimento da população. Nem todos parecem perceber a incongruência das duas respostas. A maioria das pessoas desconhece, ou parece desconhecer, os efeitos da mudança demográfica sobre as condições de financiamento da Previdência. Com as pessoas vivendo mais tempo e menos jovens entrando no mercado de trabalho, por causa da redução da natalidade, haverá menos pessoas contribuindo para sustentar os aposentados.
Isso poderá comprometer a segurança de futuras gerações, criando uma desproporção entre a demanda de aposentadorias e a geração de recursos para a manutenção do sistema. Se a Previdência for incapaz de atender à necessidade, o Tesouro, como já ocorre, terá de cobrir a diferença – nesse caso, uma diferença crescente, como já se tem observado.
Então, ou se aumentarão os impostos ou o governo deixará de cumprir outras funções, como a educação e a segurança. Mas 85%, mesmo quando informados sobre o déficit previdenciário, se recusam a pagar mais impostos para manter o sistema em vigor. A mudança de regras, de acordo com 75%, seria uma solução melhor que o aumento da tributação – mas pouquíssimos parecem perceber o problema da sustentação do sistema a longo prazo. Mesmo nesse grupo de 75% há opiniões divergentes. Só uma parcela, equivalente a 39% do universo de entrevistados, admite a hipótese de mudança do sistema para todos.
Além das incongruências, há uma enorme desinformação sobre os sistemas previdenciários no Brasil e no resto do mundo. Segundo 47% dos entrevistados, o brasileiro se aposenta mais tarde que os trabalhadores dos países desenvolvidos. A proporção cai para 40%, quando a comparação é com os Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul) e para 38% quando o confronto é com outros sul-americanos. De fato, a idade média de aposentadoria dos brasileiros (59,2 anos em 2012) é menor que a observada nesses outros países.
Entre 2007 e 2015, passou de 31% para 48% a parcela das pessoas favoráveis a aposentadorias depois dos 55 anos. Essa foi uma das poucas mudanças de opinião compatíveis – limitadamente – com as linhas básicas da reforma necessária.
Também entre os sindicalistas há resistências a pontos considerados importantes pela equipe econômica. Há rejeição à proposta de idade mínima e também à ideia de uma fase de transição. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, voltou a defender os dois pontos na quarta-feira passada. É preciso, segundo ele, fixar o limite de idade e, além disso, implantar logo as novas normas, afetando também os trabalhadores já em atividade. É necessário, conforme o ministro, distinguir os direitos adquiridos da mera expectativa de direitos. A reforma, segundo ele, deve ser parte do esforço para conter e em seguida derrubar o endividamento do setor público. A alternativa seria cortar outros gastos do governo, mas até essa hipótese parece discutível. Quanto seria preciso cortar?
A defesa de um projeto racional se tornará mais fácil se for possível difundir algum realismo. Não haveria problema previdenciário se dinheiro caísse do céu ou brotasse em árvores. Boa parte da discussão – e do discurso populista – ocorre como se o dinheiro surgisse tão facilmente e fosse ilimitado. Até quanto a isso será preciso eliminar mal-entendidos.
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