Por Dalmo de Abreu Dallari, jurista - Jornal do Brasil
No verdadeiro “circo” em que se converteu o noticiário da vida pública brasileira, tem sido dado especial destaque aos “vazamentos”, designação adotada para se referir à publicidade dada a conversas íntimas de personalidades públicas. Em alguns casos a conversa foi interceptada por terceiros, que, sem conhecimento dos que conversavam, ouviram e gravaram as falas e depois deram publicidade a elas, obviamente com a intenção de obter algum proveito pessoal. Em outros casos, um dos dialogantes é quem faz a divulgação dos diálogos, ou para dar publicidade a uma denúncia que possa ser danosa à outra parte, ou então para se beneficiar sob a alegação de estar contribuindo para tornar público um procedimento condenável de alguma personalidade política.
É lamentável que a imprensa esteja dando excepcional importância a esses “vazamentos”, que, além de serem essencialmente antiéticos, configuram a prática de um ato ilegal, afrontando direitos fundamentais da pessoa humana consagrados na Constituição e, além disso, enquadram-se como crimes expressamente previstos em lei. É o que se demonstrará em seguida.
A Constituição brasileira de 1988, em seu Título II, trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e o seu Capítulo I é dedicado à enumeração dos “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”. No artigo 5º da Constituição, inserido nesse capítulo, é feita uma enumeração de direitos cuja inviolabilidade é constitucionalmente garantida, havendo em seguida uma especificação de tais direitos. Assim, no inciso X desse artigo dispõe-se que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. E no inciso XII encontra-se, com enunciado claro e preciso, o seguinte dispositivo: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal e instrução processual penal”.
Comentando esses dispositivos, o eminente constitucionalista José Afonso da Silva ressalta a importância dada ao direito à intimidade e acrescenta algumas observações visando o claro entendimento dos dispositivos com ela relacionados. Entre as opiniões autorizadas por ele referidas encontra-se uma colocação muito expressiva feita pelo eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, para quem é ilícita uma prova obtida a partir de gravação clandestina de conversação telefônica “à revelia de um dos interlocutores por outro dos sujeitos do diálogo” (cf. Comentário Contextual à Constituição, pág.107). Assim, pois, não apenas a gravação e divulgação feitas por terceiros configuram o crime, mas este é também configurado quando um dos que participam da conversa age maliciosamente, gravando a conversação e dando publicidade ao que foi conversado.
Quanto ao caráter criminoso desse vazamento, é importante lembrar aqui o que dispõe a Lei Federal nº 9296, de 1996: “Artigo 10. Constitui crime realizar a interceptação de comunicações telefônicas, de informática e telemática, ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. Comentando esse artigo e o conjunto de dispositivos legais relacionados com a garantia do direito à intimidade, observa o ilustre Professor Paulo José da Costa Júnior, mestre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: “na expressão “direito à intimidade” são tutelados dois interesses, que se somam: o interesse de que a intimidade não venha a sofrer agressões e o de que não venha a ser divulgada”.
Não é preciso mais para que fique muito evidente o caráter criminoso dos vazamentos feitos a partir de gravação clandestina ou feita por um dos interlocutores e ocultada da outra parte do diálogo. Evidentemente, essa ocultação já é reveladora de má fé, do propósito de se aproveitar do diálogo para a obtenção de algum resultado que será prejudicial à outra parte. Mas, seja qual for o propósito da gravação e posterior divulgação aí está configurado um crime. Uma observação que vem a propósito é a lembrança de que muito recentemente ocorreu um vazamento, com muito ampla divulgação pela imprensa, de gravação clandestina determinada pelo Juiz Sérgio Moro. Na realidade, pelo modo como foi efetuada a divulgação não cabe aí a pretensão de argumentar com a autoridade do Juiz, pois no caso aqui referido a gravação foi feita a pedido do Juiz, mas ele entregou o material para divulgação quando já não era o Juiz do processo, pois este tinha passado para o Ministro Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal. Assim, pois, ao entregar para divulgação o produto da gravação clandestina o Juiz Sérgio Moro agiu como cidadão comum, não se caracterizando aí uma determinação judicial nem um ato processual buscando a complementação da prova em processo que estivesse sob sua responsabilidade. O crime de ofensa à garantia constitucional da intimidade foi ainda agravado por várias circunstâncias, bastando assinalar que uma das partes do diálogo clandestinamente gravado e entregue à imprensa para divulgação era nada mais nada menos do que a Presidenta da República.
Por tudo o que foi aqui exposto, é profundamente lamentável que a imprensa esteja explorando com grande ênfase os vazamentos, sem considerar sua ilegalidade originária, com o propósito de causar sensação ou de atingir outros objetivos que não são claros. A par disso, é necessário e oportuno lembrar um antigo brocardo brasileiro, que tem plena validade nos dias de hoje: “Fale mal, mas fale de mim”. Os personagens citados no noticiário enfático sobre os vazamentos beneficiam-se da publicidade, sendo vistos por muitos como grandes personagens. Mas, como conclusão final, é de máxima importância ressaltar a ilegalidade de muitos aspectos dessa exploração sensacionalista dos vazamentos, prática que está bem longe de ser moralizadora e que, pelas personalidades envolvidas, constitui um elemento a mais no processo de desmoralização da vida pública brasileira.
É lamentável que a imprensa esteja dando excepcional importância a esses “vazamentos”, que, além de serem essencialmente antiéticos, configuram a prática de um ato ilegal, afrontando direitos fundamentais da pessoa humana consagrados na Constituição e, além disso, enquadram-se como crimes expressamente previstos em lei. É o que se demonstrará em seguida.
A Constituição brasileira de 1988, em seu Título II, trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e o seu Capítulo I é dedicado à enumeração dos “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”. No artigo 5º da Constituição, inserido nesse capítulo, é feita uma enumeração de direitos cuja inviolabilidade é constitucionalmente garantida, havendo em seguida uma especificação de tais direitos. Assim, no inciso X desse artigo dispõe-se que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. E no inciso XII encontra-se, com enunciado claro e preciso, o seguinte dispositivo: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal e instrução processual penal”.
Comentando esses dispositivos, o eminente constitucionalista José Afonso da Silva ressalta a importância dada ao direito à intimidade e acrescenta algumas observações visando o claro entendimento dos dispositivos com ela relacionados. Entre as opiniões autorizadas por ele referidas encontra-se uma colocação muito expressiva feita pelo eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, para quem é ilícita uma prova obtida a partir de gravação clandestina de conversação telefônica “à revelia de um dos interlocutores por outro dos sujeitos do diálogo” (cf. Comentário Contextual à Constituição, pág.107). Assim, pois, não apenas a gravação e divulgação feitas por terceiros configuram o crime, mas este é também configurado quando um dos que participam da conversa age maliciosamente, gravando a conversação e dando publicidade ao que foi conversado.
Quanto ao caráter criminoso desse vazamento, é importante lembrar aqui o que dispõe a Lei Federal nº 9296, de 1996: “Artigo 10. Constitui crime realizar a interceptação de comunicações telefônicas, de informática e telemática, ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. Comentando esse artigo e o conjunto de dispositivos legais relacionados com a garantia do direito à intimidade, observa o ilustre Professor Paulo José da Costa Júnior, mestre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: “na expressão “direito à intimidade” são tutelados dois interesses, que se somam: o interesse de que a intimidade não venha a sofrer agressões e o de que não venha a ser divulgada”.
Não é preciso mais para que fique muito evidente o caráter criminoso dos vazamentos feitos a partir de gravação clandestina ou feita por um dos interlocutores e ocultada da outra parte do diálogo. Evidentemente, essa ocultação já é reveladora de má fé, do propósito de se aproveitar do diálogo para a obtenção de algum resultado que será prejudicial à outra parte. Mas, seja qual for o propósito da gravação e posterior divulgação aí está configurado um crime. Uma observação que vem a propósito é a lembrança de que muito recentemente ocorreu um vazamento, com muito ampla divulgação pela imprensa, de gravação clandestina determinada pelo Juiz Sérgio Moro. Na realidade, pelo modo como foi efetuada a divulgação não cabe aí a pretensão de argumentar com a autoridade do Juiz, pois no caso aqui referido a gravação foi feita a pedido do Juiz, mas ele entregou o material para divulgação quando já não era o Juiz do processo, pois este tinha passado para o Ministro Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal. Assim, pois, ao entregar para divulgação o produto da gravação clandestina o Juiz Sérgio Moro agiu como cidadão comum, não se caracterizando aí uma determinação judicial nem um ato processual buscando a complementação da prova em processo que estivesse sob sua responsabilidade. O crime de ofensa à garantia constitucional da intimidade foi ainda agravado por várias circunstâncias, bastando assinalar que uma das partes do diálogo clandestinamente gravado e entregue à imprensa para divulgação era nada mais nada menos do que a Presidenta da República.
Por tudo o que foi aqui exposto, é profundamente lamentável que a imprensa esteja explorando com grande ênfase os vazamentos, sem considerar sua ilegalidade originária, com o propósito de causar sensação ou de atingir outros objetivos que não são claros. A par disso, é necessário e oportuno lembrar um antigo brocardo brasileiro, que tem plena validade nos dias de hoje: “Fale mal, mas fale de mim”. Os personagens citados no noticiário enfático sobre os vazamentos beneficiam-se da publicidade, sendo vistos por muitos como grandes personagens. Mas, como conclusão final, é de máxima importância ressaltar a ilegalidade de muitos aspectos dessa exploração sensacionalista dos vazamentos, prática que está bem longe de ser moralizadora e que, pelas personalidades envolvidas, constitui um elemento a mais no processo de desmoralização da vida pública brasileira.
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