Por Alexandre Vidal Porto - colunista do jornal Folha de SP
Os governos de vários países condenaram a natureza homofóbica do ataque contra a boate Pulse em Orlando no último dia 12 (foto mostra homenagem aos mortos). No Brasil, a Secretaria Especial de Direitos Humanos emitiu uma nota de condenação exemplar.
Subitamente, o combate à homofobia parece ocupar lugar privilegiado nas discussões sobre direitos humanos. Poucos dias depois do ataque, os membros de maior peso na Organização dos Estados Americanos —Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, México e Uruguai, além do Brasil— formaram uma frente para a promoção dos direitos das pessoas LGBT no âmbito da organização.
O tema da homofobia pode parecer novo para alguns. Para suas vítimas, porém, trata-se de um velho conhecido. A maior parte dos homossexuais cresce em meio à homofobia. Sobrevive a ela.
Na escola, descobre cedo que não pode ser o que é. "Bicha" ou "gay" são características indesejáveis. Quem nunca chamou ninguém de "viado" que atire a primeira pedra.
A homofobia não escolhe local ou classe social para se manifestar. Basta ignorância e irracionalidade. Fui vítima de agressão homofóbica em Tóquio, como ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil.
O episódio tem algo de pitoresco. Mostra um pouco do inusitado na rotina de um servidor diplomático brasileiro no exterior, mas fala, também, de como a homofobia ataca de onde menos se espera.
Almoçava com colegas em um restaurante, quando recebi uma ligação do embaixador: "Alexandre, parece que tem alguém querendo entregar uma mensagem pessoalmente na Embaixada, você poderia ver do que se trata?"
Eu era o número dois na hierarquia, e a responsabilidade era minha. Nenhum dos colegas se voluntariou para me acompanhar. O restaurante ficava a sete minutos a pé, e segui para a embaixada sozinho. Como sou previdente, no caminho, pedi a minha secretária que avisasse a delegacia policial do bairro de possíveis problemas.
Era um dia de inverno. No alto da escadaria da entrada principal, um homem de sobretudo, mais ou menos de minha idade, conversava com meu colega diplomata-chefe do setor econômico.
Aproximei-me e fui apresentado. O homem de sobretudo chamava-se Christopher P., era americano, e alegava haver descoberto um complô, "entre a presidente do Brasil e o ex-secretário de defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, para o assassinato de 273 palestinos na região da Triplíce Fronteira".
Para abortar tal plano assassino, ele precisaria ter acesso a um dos computadores da embaixada. Por isso, precisava entrar.
Minha avó dizia que, com doido, não se discute. Ouvi a história com atenção e pedi-lhe que a informasse por escrito, para que a embaixada pudesse tomar providências a respeito. Antes que eu acabasse de falar, ele me interrompeu abruptamente: "Por que você é tão gay?", perguntou. Achei que tinha entendido mal.
Ele repetiu a pergunta, desta vez gritando: "POR QUE VOCÊ TEM DE SER TÃO GAY?"
Minha primeira reação foi de surpresa, mas, em seguida, esqueci do conselho de minha avó e resolvi confrontá-lo. Perguntei-lhe se ele tinha problemas com homossexuais, mas, antes de que eu acabasse a pergunta, fui nocauteado por um soco na cara, com toda a força. Não percebi que ele me atacaria e não tive tempo de me proteger. Caí no chão. Meus óculos, quebrados, voaram.
Depois de atacar-me, Christopher P. fugiu correndo pela rua, mas foi detido no quarteirão seguinte pelos policiais que minha secretária havia chamado. Confesso que senti pena ao vê-lo na calçada, imobilizado pelos policiais, gritando ao ser levado para a delegacia.
Fui informado posteriormente de que ele havia ficado preso por 30 dias e havia sido expulso do Japão. Dei um google no nome de Christopher P. e descobri que ele era professor de sociologia em uma pequena faculdade no Arizona. Não sei como ele chegou ao Japão nem quantas outras pessoas LGBT terá agredido.
No meu caso, a manifestação da homofobia de um maluco custou-me um hematoma na cara e um par de óculos. Para gente que estava em Orlando, a homofobia alheia custou a vida.
Autoaceitação e autoestima são fundamentais para a felicidade de qualquer ser humano. Para as pessoas LGBT, que lidam desde cedo com rejeição social, também. É por isso que o apoio e o reconhecimento da família, dos amigos e das instituições são tão importantes para elas. Toda vez que alguém —mesmo brincando— xinga alguém de " viado ", ou diz criticamente algo como "isso é coisa de gay", reforça um estereótipo negativo e contribui para engrossar o caldo de cultura homofóbica em que se alimentam fundamentalistas loucos como o terrorista de Orlando, meu agressor, Christopher P., e muitos e muitos outros, ainda à solta por aí.
Os governos de vários países condenaram a natureza homofóbica do ataque contra a boate Pulse em Orlando no último dia 12 (foto mostra homenagem aos mortos). No Brasil, a Secretaria Especial de Direitos Humanos emitiu uma nota de condenação exemplar.
Subitamente, o combate à homofobia parece ocupar lugar privilegiado nas discussões sobre direitos humanos. Poucos dias depois do ataque, os membros de maior peso na Organização dos Estados Americanos —Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, México e Uruguai, além do Brasil— formaram uma frente para a promoção dos direitos das pessoas LGBT no âmbito da organização.
O tema da homofobia pode parecer novo para alguns. Para suas vítimas, porém, trata-se de um velho conhecido. A maior parte dos homossexuais cresce em meio à homofobia. Sobrevive a ela.
Na escola, descobre cedo que não pode ser o que é. "Bicha" ou "gay" são características indesejáveis. Quem nunca chamou ninguém de "viado" que atire a primeira pedra.
A homofobia não escolhe local ou classe social para se manifestar. Basta ignorância e irracionalidade. Fui vítima de agressão homofóbica em Tóquio, como ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil.
O episódio tem algo de pitoresco. Mostra um pouco do inusitado na rotina de um servidor diplomático brasileiro no exterior, mas fala, também, de como a homofobia ataca de onde menos se espera.
Almoçava com colegas em um restaurante, quando recebi uma ligação do embaixador: "Alexandre, parece que tem alguém querendo entregar uma mensagem pessoalmente na Embaixada, você poderia ver do que se trata?"
Eu era o número dois na hierarquia, e a responsabilidade era minha. Nenhum dos colegas se voluntariou para me acompanhar. O restaurante ficava a sete minutos a pé, e segui para a embaixada sozinho. Como sou previdente, no caminho, pedi a minha secretária que avisasse a delegacia policial do bairro de possíveis problemas.
Era um dia de inverno. No alto da escadaria da entrada principal, um homem de sobretudo, mais ou menos de minha idade, conversava com meu colega diplomata-chefe do setor econômico.
Aproximei-me e fui apresentado. O homem de sobretudo chamava-se Christopher P., era americano, e alegava haver descoberto um complô, "entre a presidente do Brasil e o ex-secretário de defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, para o assassinato de 273 palestinos na região da Triplíce Fronteira".
Para abortar tal plano assassino, ele precisaria ter acesso a um dos computadores da embaixada. Por isso, precisava entrar.
Minha avó dizia que, com doido, não se discute. Ouvi a história com atenção e pedi-lhe que a informasse por escrito, para que a embaixada pudesse tomar providências a respeito. Antes que eu acabasse de falar, ele me interrompeu abruptamente: "Por que você é tão gay?", perguntou. Achei que tinha entendido mal.
Ele repetiu a pergunta, desta vez gritando: "POR QUE VOCÊ TEM DE SER TÃO GAY?"
Minha primeira reação foi de surpresa, mas, em seguida, esqueci do conselho de minha avó e resolvi confrontá-lo. Perguntei-lhe se ele tinha problemas com homossexuais, mas, antes de que eu acabasse a pergunta, fui nocauteado por um soco na cara, com toda a força. Não percebi que ele me atacaria e não tive tempo de me proteger. Caí no chão. Meus óculos, quebrados, voaram.
Depois de atacar-me, Christopher P. fugiu correndo pela rua, mas foi detido no quarteirão seguinte pelos policiais que minha secretária havia chamado. Confesso que senti pena ao vê-lo na calçada, imobilizado pelos policiais, gritando ao ser levado para a delegacia.
Fui informado posteriormente de que ele havia ficado preso por 30 dias e havia sido expulso do Japão. Dei um google no nome de Christopher P. e descobri que ele era professor de sociologia em uma pequena faculdade no Arizona. Não sei como ele chegou ao Japão nem quantas outras pessoas LGBT terá agredido.
No meu caso, a manifestação da homofobia de um maluco custou-me um hematoma na cara e um par de óculos. Para gente que estava em Orlando, a homofobia alheia custou a vida.
Autoaceitação e autoestima são fundamentais para a felicidade de qualquer ser humano. Para as pessoas LGBT, que lidam desde cedo com rejeição social, também. É por isso que o apoio e o reconhecimento da família, dos amigos e das instituições são tão importantes para elas. Toda vez que alguém —mesmo brincando— xinga alguém de " viado ", ou diz criticamente algo como "isso é coisa de gay", reforça um estereótipo negativo e contribui para engrossar o caldo de cultura homofóbica em que se alimentam fundamentalistas loucos como o terrorista de Orlando, meu agressor, Christopher P., e muitos e muitos outros, ainda à solta por aí.
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