Editorial - Folha de SP
Sabia-se que a decisão seria apertada, que o país estava dividido. Mas ao confirmar uma imperícia já quase habitual nas pesquisas eleitorais britânicas, não será excessivo dizer que o surpreendente voto pelo qual o Reino Unido escolheu abandonar a União Europeia, por 52% a 48%, abalou o mundo. Composto até a quinta-feira (23) do plebiscito por 28 países, a União Europeia é o maior bloco econômico, com produto estimado em US$ 19,2 trilhões; o Reino Unido ocupava nele a segunda posição, logo após a Alemanha. Para ressaltar a intensidade dos laços materiais, basta lembrar que na pauta das exportações britânicas a UE responde por mais que o dobro da parcela (15%) representada pelos Estados Unidos.
As implicações ultrapassam, porém, o fato. Imaginava-se que os fantasmas da desintegração europeia haviam sido dispersados pela tênue mas constante recuperação em curso na região, após uma das piores recessões de sua história (2008-2013). Calculava-se que uma Europa mais organicamente coesa, capaz de prevenir desequilíbrios e desastres semelhantes no futuro, despontasse.
É sabido que processos de integração e liberalização estimulam forças contraditórias, centrípetas e centrífugas. A livre circulação de capitais, bens, serviços e pessoas, conforme se dissemina, propicia melhora na produtividade e multiplica a riqueza. Ainda que desigualmente distribuídos, a longo prazo os resultados tendem a beneficiar a maioria.
Mas esse processo não acontece sem dar ensejo a efeitos danosos, prejudicando profissões que se tornam obsoletas e nichos protegidos que se mostram ineficientes. O voto britânico pela saída, chamado de "Brexit", preponderou na população mais madura e menos qualificada, sobretudo das cidades médias e pequenas, num perfil social que corresponde aos setores mais vulneráveis à mudança.
Aos olhos desse contingente, a integração significa uma avalanche imigratória que usurpa empregos e avilta salários. A face notória desse mal-estar são os muçulmanos, que, no Reino Unido, já perfazem quase 6% da população de 65 milhões, mas existe forte movimentação de migrantes dentro da Europa, de países mais pobres, como Polônia ou Romênia, rumo às oportunidades oferecidas nos países mais ricos.
Pelo que tem de regressiva e xenófoba, a decisão britânica não inspira aplauso. Esperemos que ela não deflagre um rastilho de rompimentos (França e Holanda já cogitam referendos do tipo) e que os britânicos encontrem uma maneira legítima de reconsiderá-la.
A longo prazo, o caminho da humanidade há de ser o da gradual superação de todas as fronteiras. Uma União Europeia intacta é importante fator de equilíbrio num mundo cada vez mais dividido entre os campos de influência norte-americano e chinês.
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