Editorial - Estadão
A título de demonstrar a injustiça de que a presidente afastada Dilma Rousseff se considera vítima com o processo de impeachment ora em curso, movimentos sociais petistas mobilizaram diversos intelectuais e profissionais do direito para promover um “tribunal internacional” e denunciar o que eles entendem como violação da Constituição e de diversos tratados. Em seu formato, o tal “tribunal” emulou os famosos “julgamentos” realizados por intelectuais europeus de esquerda nos anos 60 e 70 para expor os crimes cometidos pelo imperialismo americano e seus subprodutos, como as ditaduras latino-americanas. Quer-se, com isso, equiparar o impeachment de Dilma, que ocorre no mais absoluto respeito às leis pactuadas pelo conjunto da sociedade brasileira, aos massacres e violações dos direitos humanos em larga escala perpetrados naqueles tempos sombrios. A confusão, é claro, nada tem de gratuita.
Do mesmo modo que aqueles “tribunais” raramente se debruçavam sobre os crimes cometidos pelos regimes comunistas, pois seu interesse não era fazer justiça, e sim propaganda antiamericana, o “tribunal” dos petistas não se prestou a esclarecer nada. Serviu apenas para confirmar que não há limites, inclusive para o ridículo, na luta da tigrada pelo poder.
Quando ajudou a criar o “tribunal” de intelectuais que “julgou” os crimes cometidos pelos Estados Unidos no Vietnã, em 1967, o filósofo britânico Bertrand Russell disse que a legitimidade das sentenças proferidas por aquela “corte” estava garantida não por um poder estatal, mas pela “autoridade moral” de seus integrantes. Desde então, vários “tribunais Russell”, como as iniciativas como aquela ficaram conhecidas, foram realizados para denunciar a opressão promovida por potências ocidentais, mas jamais os crimes cometidos por aqueles governos que se julgam líderes dos oprimidos.
Foi decerto inspirado por essa estranha “autoridade moral” que se realizou o tal “tribunal internacional” petista, nos dias 19 e 20 passados, num teatro do Rio de Janeiro. Nada ali, é claro, presumia qualquer forma de neutralidade: como um bom “tribunal” de sua espécie, a iniciativa petista se prestava somente a dar caráter de verdade absoluta, revestida de rabulice legalista, à conclusão segundo a qual Dilma Rousseff está sofrendo impeachment graças a um complô das elites do Brasil e do exterior, inconformadas com o suposto protagonismo das “classes trabalhadoras” com a ascensão do PT ao poder.
A encenação do “tribunal” contou com todos os elementos necessários a um julgamento tradicional: juiz, jurados, promotoria e até uma advogada de defesa – cuja tarefa foi dizer apenas que o processo de impeachment estava de acordo com a Constituição. Considerando-se que a “defensora”, a professora de direito Margarida Lacombe, é coautora de um livro chamado A Resistência ao Golpe de 2016 e já escreveu que “os oportunistas de plantão” querem “ocupar a Presidência da República sem o recurso do voto popular”, pode-se imaginar o esforço que ela fez para encarnar seu personagem naquele teatro.
Como todo “tribunal” do gênero, o petista já tinha elaborado sua sentença muito antes do início das sessões, que contou com a participação, entre os jurados, de convidados estrangeiros, como se isso conferisse legitimidade ainda maior àquela farsa. Por “unanimidade”, esses jurados concluíram que “o processo de impeachment da presidenta (sic) da República viola a Constituição brasileira, a Convenção Americana dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e constitui verdadeiro golpe de Estado”. E isso tudo porque, segundo uma das juradas, a francesa Laurence Cohen, “a burguesia não suporta o programa em favor do povo da coalização de esquerda”.
A páginas tantas, no entanto, a sentença lamenta que o Poder Judiciário brasileiro tenha legitimado até aqui o processo de impeachment. Eis aí uma realidade que nenhuma patacoada pseudointelectual petista será capaz de mudar.
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