Editorial - Folha de SP
Cada cabeça, uma sentença. O conhecido adágio popular teve repercussão prática muito clara com a decisão tomada na terça-feira (5) pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. O decano do tribunal teve a oportunidade de se insurgir contra um posicionamento da corte que espelhou, sem dúvida, anseios gerais de apoio à punição, antes de favorecimento ao acusado.
Em fevereiro, por 7 votos a 4 (e Mello entre os contrários), o STF entendeu que réus já poderiam cumprir pena de prisão a partir da confirmação de sentença em segunda instância, conforme entendimento do juiz; até então, exigia-se o esgotamento de todas as possibilidades de recurso aos tribunais superiores.
O argumento doutrinário nada tinha de complexo. Tratava-se de dar fim a uma deplorável excentricidade da legislação nacional, que convida advogados hábeis e caros a prolongar processos até a prescrição da pena.
Não é esse o entendimento do ministro Celso de Mello. Em decisão liminar, relativa a um caso ocorrido em Belo Horizonte, o magistrado considerou equivocada a punição do réu, acusado de homicídio e ocultação de cadáver.
Sem dúvida, verificam-se mudanças no clima de opinião. Durante a ditadura, era natural que os corações se voltassem para o lado dos réus. No sistema de corrupção em vigor, é automático que se queira uma exacerbação das punições.
Mais e mais, o Supremo Tribunal Federal se vê encarregado de encarnar as expectativas da opinião pública. Por vezes parece um repositório do bom senso e da razão, face ao festival de irresponsabilidade e oportunismo do Congresso.
O julgamento de fevereiro, em particular, foi associado à ofensiva moralizadora da Lava Jato —quando menos, por incentivar delações de criminosos aterrorizados pela proximidade do encarceramento.
Acontece que a lógica da Justiça, ora encarnada em Celso de Mello, opõe-se aos ímpetos da opinião pública. Conforme se alertou neste espaço, a novo entendimento para o momento da prisão, por meritório que fosse, abalava a segurança jurídica do país.
Afinal, permanece na Constituição a garantia fundamental de que ninguém será condenado até o trânsito em julgado da sentença.
Dito de outra maneira, o réu preso por decisão de um juiz de segunda instância ainda não é um condenado; um inocente pode ser mandado para atrás das grades?
Cria-se um conflito entre a convicção do magistrado e a percepção geral de que a impunidade triunfa. Cabe ao Congresso —infelizmente, um sodalício de réus—resolver esse impasse.
Decisão de Celso de Mello mostra imprevisibilidade do STF
O STF, por várias razões, não tem sido uma Corte previsível. A natureza e a quantidade de casos que são julgados, o excesso de decisões monocráticas e a falta de uma racionalidade nas deliberações do tribunal têm sido alguns dos fatores que contribuem para as oscilações de sua jurisprudência. A presunção de inocência é o caso mais recente e rumoroso a ilustrar isso.
Em fevereiro, ao julgar um habeas corpus, o STF mudou o entendimento que tinha desde 2010 sobre a presunção de inocência e, por 7 votos a 4, decidiu que o réu condenado em segunda instância pode ser preso sem que se esgotem recursos aos tribunais superiores.
Mas, agora, o ministro Celso de Mello, ao apreciar outro habeas corpus, monocraticamente, impediu que um réu condenado em segunda instância fosse levado à prisão antes da decisão definitiva do Poder Judiciário.
Para o ministro, que foi voto vencido na decisão de fevereiro, a prisão do réu antes de esgotados todos os recursos ofenderia o princípio constitucional da presunção de inocência.
A primeira pergunta que surge é se um ministro, isoladamente, poderia contrariar a conclusão do colegiado tomada no início do ano.
A decisão de fevereiro foi proferida no julgamento de um habeas corpus e, mesmo tendo sido tomada pelo plenário do tribunal, não vincula a própria Corte, nem os demais órgãos do Judiciário.
Assim, nada impede que outros juízes decidam de forma diferente, como se deu agora com a liminar concedida por Mello. Mas, se é juridicamente possível, não significa que seja institucionalmente desejável.
Trata-se de uma incongruência do nosso sistema jurídico. Se o colegiado decidiu de uma forma, não parece salutar para a busca da previsibilidade de decisões judiciais e da estabilidade das relações jurídicas que um único ministro o contrariasse.
A deferência às decisões colegiadas deveria ser uma prática que conduziria a uma uniformidade do entendimento sobre o problema.
Outra pergunta é se a decisão deste mês seria um prenúncio de uma nova mudança do entendimento da Corte sobre a presunção de inocência. Tudo indica que não.
A decisão do plenário foi tomada por 7 votos a 4. A liminar que a contraria foi deferida por um dos ministros que viu sua tese ser vencida pelo colegiado. Nova decisão do plenário não deve indicar, ao menos por ora, mudança de posição do Supremo.
De fato, a questão sobre o momento em que uma pessoa deve começar a cumprir a pena é controversa. Qualquer linha decisória assumida pelo tribunal acarretará enormes consequências para a política criminal do país. O que não se pode aceitar, ainda mais num momento político e institucional de tanta turbulência, é que os ministros do STF, em vez de contribuírem para a estabilização das expectativas jurídicas, tornem o ambiente institucional ainda mais volátil.
Em fevereiro, ao julgar um habeas corpus, o STF mudou o entendimento que tinha desde 2010 sobre a presunção de inocência e, por 7 votos a 4, decidiu que o réu condenado em segunda instância pode ser preso sem que se esgotem recursos aos tribunais superiores.
Mas, agora, o ministro Celso de Mello, ao apreciar outro habeas corpus, monocraticamente, impediu que um réu condenado em segunda instância fosse levado à prisão antes da decisão definitiva do Poder Judiciário.
Para o ministro, que foi voto vencido na decisão de fevereiro, a prisão do réu antes de esgotados todos os recursos ofenderia o princípio constitucional da presunção de inocência.
A primeira pergunta que surge é se um ministro, isoladamente, poderia contrariar a conclusão do colegiado tomada no início do ano.
A decisão de fevereiro foi proferida no julgamento de um habeas corpus e, mesmo tendo sido tomada pelo plenário do tribunal, não vincula a própria Corte, nem os demais órgãos do Judiciário.
Assim, nada impede que outros juízes decidam de forma diferente, como se deu agora com a liminar concedida por Mello. Mas, se é juridicamente possível, não significa que seja institucionalmente desejável.
Trata-se de uma incongruência do nosso sistema jurídico. Se o colegiado decidiu de uma forma, não parece salutar para a busca da previsibilidade de decisões judiciais e da estabilidade das relações jurídicas que um único ministro o contrariasse.
A deferência às decisões colegiadas deveria ser uma prática que conduziria a uma uniformidade do entendimento sobre o problema.
Outra pergunta é se a decisão deste mês seria um prenúncio de uma nova mudança do entendimento da Corte sobre a presunção de inocência. Tudo indica que não.
A decisão do plenário foi tomada por 7 votos a 4. A liminar que a contraria foi deferida por um dos ministros que viu sua tese ser vencida pelo colegiado. Nova decisão do plenário não deve indicar, ao menos por ora, mudança de posição do Supremo.
De fato, a questão sobre o momento em que uma pessoa deve começar a cumprir a pena é controversa. Qualquer linha decisória assumida pelo tribunal acarretará enormes consequências para a política criminal do país. O que não se pode aceitar, ainda mais num momento político e institucional de tanta turbulência, é que os ministros do STF, em vez de contribuírem para a estabilização das expectativas jurídicas, tornem o ambiente institucional ainda mais volátil.
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