Editorial - Folha de SP
Incidem diretamente sobre a campanha eleitoral de Dilma Rousseff (PT) em 2010 —e, de forma indireta, sobre seu vice Michel Temer (PMDB)— os recentes depoimentos do marqueteiro João Santana e de sua mulher Mônica Moura ao juiz Sergio Moro nas investigações da Operação Lava Jato. Depois de uma cortina de fumaça inicial, ao declararem que cerca de US$ 4,5 milhões em contas no exterior se originavam de serviços para candidatos em outros países, Santana e Moura convergiram em admitir que os recursos provinham do caixa dois petista.
A presidente afastada negou de pronto a existência de ilicitudes em sua contabilidade eleitoral. Diante de tantas comprovações de propinas e irregularidades em contratos com empreiteiras, é atitude mais propícia a suscitar cansaço do que a despertar maiores atenções por parte da opinião pública.
Ainda que de vasto perímetro, o círculo das investigações dá sinais de que começa a se fechar. Com contratos superfaturados, o dinheiro da Petrobras passa a empreiteiras que, por sua vez, transferem parte dele a operadores políticos, os quais remuneram regiamente, entre outros, especialistas em comunicação encarregados de perpetuá-los no poder.
Estabelecidos, aos poucos, os detalhes do esquema, aproxima-se a hora de um julgamento definitivo nos tribunais. É natural que o processo tome tempo; e, ainda que o desfecho demore, será o primeiro passo de roteiro mais extenso, que nada faz crer venha a se limitar só às ações de um ou dois partidos.
A esse propósito, não deixa de ser irônico o fato de partir de um marqueteiro –cujo ofício, afinal de contas, consiste em maquiar a realidade— uma consideração verdadeira sobre a crise política.
João Santana disse que 98% dos recursos utilizados em campanhas eleitorais proviriam do caixa dois. Uma fila "capaz de concorrer com a Muralha da China" poderia ser formada com figuras tão envolvidas quanto ele em práticas suspeitas.
Isso só não acontece, prosseguiu, porque o estariam tratando com excepcional rigor. Termina aqui, como se percebe, o flerte do comunicador com a veracidade.
As investigações sobre o marqueteiro número um do PT eram tão inevitáveis quanto as que, por exemplo, incidiram sobre os donos das maiores empreiteiras do país.
Seja como for, o mecanismo das delações premiadas haverá de facultar a Santana ampla oportunidade para inscrever muitos dos nomes na tal "Muralha da China", ora entesourados em sua memória ou seus arquivos pessoais.
Na prática, o velho hábito de inocentar-se afirmando que outros fizeram o mesmo mudou de figura com a delação premiada. Trata-se, agora, de detalhar o que antes se afirmava de modo genérico. De passar, enfim, da desconversa marqueteira para o campo, a ser esquadrinhado, da verdade factual.
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