Editorial - Folha de SP
Há algo de acabrunhante na constatação, em pleno ano 2016, de que 30% dos brasileiros ainda concordam com a ideia de que mulheres adeptas de roupas provocantes não podem reclamar quando são estupradas. Mais ainda, na descoberta de que tal proporção vale também para as próprias mulheres entrevistadas pelo Datafolha. O mesmo levantamento, encomendado ao instituto pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revela que 65% da população declara ter medo de sofrer alguma violência sexual. Neste caso, porém, ocorre notável divergência no predomínio de temor entre mulheres (85%) e homens (46%).
O contraste dos percentuais relativos ao contingente feminino dá uma ideia de como permanece arraigada a "cultura do estupro", como se convencionou dizer. Até parcela das mulheres que receiam ser vítimas desse crime vil parecem acreditar que possa haver algo de justificável nele, ou pelo menos que a responsabilidade não caiba exclusivamente a quem o comete.
É uma violação dupla: como se, além de sofrer a agressão sexual, a mulher devesse sentir-se culpada.
Decerto essa noção —ainda muito disseminada— tem algo a ver com a prevalência escandalosa do delito no país. Foram 47.646 estupros notificados em 2014, segundo o último anuário (2015) do FBSP.
Para piorar as coisas, a cifra corresponde a uma fatia diminuta da violência sexual efetivamente ocorrida. As estimativas de subnotificação variam, mas se calcula que meros 10% a 35% dos casos terminem de fato reportados (com certeza o despreparo da polícia para lidar com as vítimas, apontando por metade dos entrevistados, não incentiva mulheres a denunciar os ataques recebidos).
Na melhor hipótese, ocorreriam pelo menos 131 mil estupros por ano no Brasil. São 15 por hora, ou um a cada quatro minutos.
Verdade que se registrou pequena diminuição (6,7%) nas ocorrências de 2013 para 2014, de acordo com o mesmo anuário. Não é o caso, contudo, de atribuir muito significado a esse suposto recuo, pois muitos fatores desconhecidos podem influenciar a taxa de subnotificação de ano para ano.
Há outro tipo de informação positiva na pesquisa Datafolha, ademais. A adesão à frase que imputa culpa à vítima é bem mais baixa que 30% entre os jovens de 16 a 24 anos (23%) e entre as pessoas com diploma de nível superior (16%).
Esses dados indicam que decresce nas novas gerações a tolerância com a violência sexual e que a educação continua a ter papel chave nesse processo civilizador.
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