Editorial - Folha de SP
O governo Michel Temer (PMDB) pretende enviar ao Congresso ainda neste ano uma proposta de endurecimento do sistema penal. A ideia, ainda em discussão, é alterar a Lei de Execuções Penais de modo a dificultar a passagem do regime fechado (em estabelecimento de segurança máxima ou média) para o semiaberto (em colônia agrícola, industrial ou similar).
Pelas regras atuais, o preso precisa cumprir ao menos um sexto da pena antes de ter direito a progredir para um regime menos rigoroso.
O governo quer que esse período mínimo seja elevado para metade da pena. A norma valeria somente para os condenados por corrupção e por crimes praticados com emprego de violência ou grave ameaça.
Debate-se, ademais, a possibilidade de facilitar a aplicação de sanções alternativas (como prestação de serviço comunitário) a quem tenha cometido delitos não violentos.
Embora tenha o mérito de enfrentar distorções do arcabouço punitivo, a proposta sofre, ela própria, com a falta de harmonia.
Como esta Folha sustenta há muito tempo, faz todo o sentido que, com o amadurecimento legislativo, a pena de prisão seja reservada apenas aos criminosos violentos ou que recorram a graves ameaças na consecução de seus delitos.
Ao menos num plano ideal, só bandidos desse jaez deveriam ser afastados do convívio social, a fim de que deixassem de representar risco ao conjunto de cidadãos.
Em relação a outros delinquentes, todas as funções teóricas da pena —punir, prevenir e ressocializar— poderiam em tese ser alcançadas mediante sanções alternativas (desde que rigorosas), muito mais baratas e não raro mais eficientes.
De um ponto de vista prático, enquanto esse modelo penal permanece distante da realidade, a solução aventada pelo governo Temer vai na direção correta.
É decerto frustrante ver um criminoso perigoso ser solto após ter cumprido menos de 20% da sentença, enquanto bandidos de menor potencial ofensivo com frequência permanecem atrás das grandes por um tempo total semelhante.
Pelo que se noticia, porém, o governo não utilizou um critério objetivo para o endurecimento. Como explicar a corrupção ao lado de práticas que envolvam violência ou grave ameaça, a não ser pelo óbvio apoio que a medida possa conquistar? Por que apenas corrupção, e não outros crimes contra a administração pública?
Além disso, parece não haver justificativa para exigir o cumprimento de metade da pena se a Lei dos Crimes Hediondos fixa esse prazo em dois quintos.
Há tempo para aprimorar a proposta, felizmente. Por ora, ela contém algumas doses de incoerência e populismo —dois velhos vícios de nosso sistema penal.
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