Editorial - Folha de SP
Parlamentares acuados pela Operação Lava Jato, e eles são muitos, tendem a aproveitar a votação de matérias que alteram a ordem jurídica para criar dispositivos legais que possam ajudá-los a enfrentar procuradores e juízes. Tais artimanhas constituem um risco para a sociedade, mas não devem impedir o debate sobre mudanças necessárias na legislação.
A lei que pune abusos de autoridade é um desses casos. O diploma atualmente em vigor data de 1965, quando o país vivia sob ditadura militar. De forma condizente com o espírito da época, estipula penas muito leves para agentes públicos de todas as esferas que cometam irregularidades.
Um projeto de lei do Senado busca modernizar essa legislação, mas traz contra si alguns empecilhos. A proposta é de autoria de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Casa, e teve como um de seus relatores o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ambos alvos de inquéritos no Supremo Tribunal Federal, o que cria uma espécie de suspeição de origem contra o texto.
Ainda assim, a proposta é um bom ponto de partida, já que descreve de forma mais extensiva e detalhada as condutas típicas de abuso e traz penas mais condizentes com a gravidade dos crimes.
Trata, por exemplo, de prisões ilegais, do constrangimento a detentos, do uso de algemas e de escutas telefônicas, entre várias outras disposições relevantes.
Seria importante, contudo, proceder a uma detalhada revisão com o propósito de eliminar trechos subjetivos, que dão margem a criminalizar a atividade precípua do magistrado, o que seria inaceitável.
Um exemplo é o item que pune com 1 a 5 anos de prisão quem iniciar "persecução penal sem justa causa fundamentada". A definição é ampla o bastante para incluir diversos casos e pode ser usada a fim de estorvar o trabalho da Justiça.
Os absurdos, todavia, podem ser corrigidos, e a atualização da lei é necessária. Bem menos necessária, para não dizer tola, foi a tentativa de parlamentares de incluir no pacote de medidas contra a corrupção a possibilidade de impeachment contra magistrados e integrantes do Ministério Público.
O impeachment, como é um processo político, só deveria ser aplicado a autoridades políticas. Ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República, indicados pelo chefe do governo, estão nessa categoria. Não é o caso de juízes das primeiras instâncias e procuradores, que chegam ao cargo por concurso público.
Criar a possibilidade de afastá-los por essa via atentaria contra a separação dos Poderes. Felizmente, essa tentativa desajeitada e condenável foi abortada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário