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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Aluno recebe diploma de salto alto e vestido em ato contra homofobia

 
Um estudante do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), instituição de ensino superior ligada às Forças Armadas, participou da sua colação de grau vestido de mulher, em protesto contra perseguição que ele teria recebido por ser homossexual.

Segundo ele, diversas punições fizeram com que ele se desligasse da Aeronáutica no meio do curso para não ser expulso da faculdade. A Aeronáutica nega que tenha havido perseguição.

A cerimônia de colação de grau dos formandos do ITA foi no último sábado, dia 17. Talles Oliveira Faria, 24, que se formou em engenharia da computação, recebeu o diploma com um vestido rosa, salto alto e maquiagem. A roupa ainda trazia mensagens críticas ao ITA.

"A manifestação não foi só relacionada à homofobia, mas também à violência psicológica que ocorre aqui dentro", disse Faria, que é homossexual e ativista contra a homofobia.

A decisão de comparecer vestido de mulher à colação foi motivada por uma série de processos que recebeu após outra manifestação, em maio do ano passado, quando ele se vestiu de drag queen para marcar o Dia Mundial do Combate à Homofobia (17 de maio). Além de estudar no instituto, Faria seguia também como militar.

O ato ocorreu na hora do intervalo e reuniu outros colegas, com cartazes contra o preconceito. Além de ser processado por agredir "o decoro da classe, protagonizando cenas vulgares" por conta do episódio, Faria recebeu mais seis processos de punição na sequência, alguns relacionadas a postagens em sua conta pessoal do Facebook.

Ele foi punido por "agredir símbolos religiosos" por ter colocado na rede social críticas ao catolicismo na relação com a homossexualidade. Foi acusado ainda de ter publicado imagem "agressiva à bandeira do Brasil".

A publicação trazia uma bandeira do Brasil com corações no lugar das estrelas e a frase "põe a cara no sol, mona", no lugar do lema "ordem e progresso". Outra punição ocorreu por causa de ato em apoio à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), no ano passado, no intervalo das aulas.

Nos recursos encaminhado aos oficiais superiores, Faria anexou imagens de manifestações de outros estudantes, em apoio ao então candidato à presidência Aécio Neves (PSDB), e publicações de caráter político nas redes sociais feitas por integrantes da Aeronáutica. Segundo o jovem, só ele foi punido.

Faria afirma que sua orientação sexual e militância provocaram uma "perseguição" sistemática, efetivada por meio dos processos –os chamados FATD (Formulários de Apuração de Transgressão Disciplinar). Pela quantidade, o estudante teve que se desligar da carreira militar, pela qual recebia o salário de R$ 6.000, para não ser expulso também da faculdade.

"Tive que deixar de ser militar porque só me deram essa alternativa. Ou pedia o desligamento da Aeronáutica, ou iam me expulsar do ITA e da FAB [Força Aérea Brasileira]", diz.

O estudante afirma que chegou a pensar em entrar na Justiça contra a FAB sobre o episódio. O receio de ser desligado do ITA fez com que ele prosseguisse com as aulas até a formatura. "Sei da homofobia silenciosa, mas efetiva, no ITA e nas Forças Armadas", diz ele, que não descarta uma ação judicial por conta do episódio. "Espero que as pessoas possam me ver e se sentir mais seguras nesse ambiente".

O ITA é uma das instituições de ensino superior mais renomadas e concorridas do país. Está ligada ao Comaer (Comando da Aeronáutica). A unidade fica no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, na cidade paulista de São José dos Campos.

CONDUTA - Segundo a Aeronáutica, o ex-estudante não foi perseguido. "A Aeronáutica julga que disponibilizou opções para que pudesse prosseguir e concluir seus objetivos acadêmicos dentro de uma das mais renomadas instituições de ensino do país", afirma a instituição em nota. "Ele não foi punido disciplinarmente por este motivo [manifestação em que se vestiu de drag queen], pois solicitou licenciamento do serviço militar durante a apuração dos fatos".

Ainda na nota, a instituição afirma que todos os militares e funcionários civis do Comando da Aeronáutica estão sujeitos "às mesmas obrigações e fazem jus a todos os benefícios previstos em legislação, sem qualquer tipo de discriminação raça, credo, orientação sexual ou demais aspectos de foro pessoal". A Aeronáutica afirma que "as transgressões cometidas pelo então aluno" são passíveis de punição e se aplicariam a qualquer militar".

"Mais importante ainda é salientar que a abertura dos processos de apuração de transgressão disciplinar nada tem a ver com a sua orientação sexual, mas sim com a conduta e atitudes". A Aeronáutica ressalta que, entre as transgressões, estão a não utilização correta do uniforme no dia da manifestação no ano passado –uma vez que Faria era militar.

Sobre o fato de outras publicações em redes sociais ou manifestações não terem tido o mesmo tratamento que Faria recebeu, a Aeronáutica defendeu que "neste caso específico, outras publicações de outros militares que tenham se posicionado politicamente não foram informadas." Cópias desses fatos, envolvendo outros alunos e oficiais, entretanto, foram encaminhadas na defesa de Faria, conforme documentos obtidos pela Folha. A reportagem havia também encaminhado questionamentos à reitoria do ITA, por meio da assessoria de imprensa, mas a Aeronáutica informou que responde pelo instituto.

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