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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Vale a pena ler: Seja marginal, seja herói

Por Arnaldo Jabor - Estadão
-Você é bandido, o que você é? - Eu sou um sinal de novos tempos. Antigamente, vagabundo vivia fugindo como um ladrão de galinhas comum. Hoje, não. Estamos evoluindo. Quando eu era sujo e pobre, vocês nunca me olharam. Agora, que eu tenho piscina no alto do morro, vocês me temem... Viramos parte de uma multinacional do pó. Isso. Os manos estão, inclusive, se organizando melhor. O PCC fechou negócio conosco do CV. Rio e São Paulo estão juntos contra, como chamam: o ‘establishment’ careta.

É isso aí, estamos aprendendo com o mundo de hoje. Tudo começou com o Osama Bin Laden, nosso primeiro herói; vendemos muito papelote de pó com o nome dele. Era pó ‘da moral’, só pra gente fina. Aos poucos, fomos nos sofisticando no mal, sim... Assistimos aos belos degolamentos do Estado Islâmico e homens-bomba se explodindo; só que ‘nóis’ não somos bestas de explodir... Ha, ha, a gente explode caixas de banco... E fico com vontade de ensinar aos terroristas do EI a beleza de nossos ‘micro-ondas’ - eles tinham de ver como os caras berram dentro dos pneus pegando fogo...

Eu era inofensivo, uns roubos, uns assaltos, mas tudo bem... Até me romantizavam... o Mineirinho, o Cara de Cavalo... Na época, era mole resolver o problema da miséria... A solução é que nunca vinha... Nós éramos invisíveis... Quando havia um desabamento, éramos, no máximo, manchete de jornal e motivo de angústia para uns intelectuais de merda. Agora, estão morrendo de medo...

Danem-se... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Ha, ha... Mataram dois turistas italianos que entraram na zona do morro. Sou contra. Esse tipo de ação é coisa de moleques. O crime agora está sendo normalizado, queremos empresas, como tantos ladrões de terno e gravata têm. A gente não joga dinheiro fora feito aquela maluca que vocês puseram de presidente da República, não. A gente aplica. Temos supermercadinhos, postos de gasolina, puteiros, tudo organizado. Nós somos uns bodes para vocês, mas vocês são um bode para si mesmos. O Brasil vai pro cacete e nós nos encontraremos no infinito sujo de nosso destino... Gostou da frase? Ouve outra: O capitalismo selvagem gera revolta primitiva, ha, ha... Aliás, tomara que quebre tudo... Vai ser mais fácil pra nós pilharmos vossas ruínas!

- Mas e aí? Qual a solução? - Solução? Não há mais solução, cara... Aliás, nem queremos mais solução alguma. Que porra é essa? Vocês acham que vão nos ‘salvar’? Estamos numa boa. Nós é que temos agora de salvar vocês de nós. Já olhou o tamanho das 600 favelas do Rio? Cadê os bilhões de dólares para uma solução? Só que agora acabou a grana. E vocês aí, tentando consertar essa bosta. O máximo que vocês podem fazer são esses movimentos pela cidadania, os babacas de branco abraçando a Lagoa...

E tem mais: o País vai quebrar, porque ninguém vai fazer reforma porra nenhuma. Só vai sobrar ‘nóis’, que já estamos acostumados com a escrotidão da vida.

- Você não tem medo de morrer? - Estamos no centro do Insolúvel, mermão... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Vocês têm medo de morrer, eu não. Nós já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam ‘seja marginal seja herói’? ou ‘A luta de classes é o motor da História’? Pois é, somos heróis em luta de classes contra a burguesia do asfalto. Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Esse parangolé envenenado, né?

Além disso, estamos virando superstars da mídia. A imprensa dá ideias, enche nossa bola do crime... Vocês estão nos dando uma ideologia, sem perceber... Outro toque: por que não pegam os barões do pó? Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidente do Paraguai nessa parada de armas e cocaína... Essa é que é a mina de ouro, nas fronteiras... Mas não tem polícia pra enfrentar esse poder internacional... A gente é mixaria... A verdadeira guerra do Paraguai vocês estão perdendo agora, tá ligado?

- E a polícia? Não rola? - Quer um toque? A burocracia policial segura tudo. Nós somos uma empresa moderna. A gente não tem que arranjar ordem judicial, a gente não é dividido em municipal, estadual e federal; é tudo rápido, enxuto. A polícia é feita de feudos, delegados corruptos, donos de pedaços da cidade transando com as milícias...

Hoje, mermão, saca esta: nós entendemos que nossa missão é maior do que roubar apenas. Estamos virando terroristas, sacou? Fechamos comércio quando queremos, cada vez estamos mais ousados, porque ninguém dá conta de nós. Vivemos aterrorizados por muitos anos. Agora, nós somos a morte, rodando pelas ruas feito cachorro raivoso. Chegaremos ao terror até político. O Brasil está precisando de uma tragédia séria, para tomar vergonha. A gente não precisa porque já somos trágicos e sem-vergonha.

- Então, vão encarar o Exército? - Ah... cara... Você acha que os generais vão querer acabar com aquele dia a dia dos quartéis? Que isso, meu? Eles ficam jogando basquete de tarde, marcham, tocam os clarins, cantam hinos... Mas ir à luta com o PCC e o CV? Com risco de vexame? Pra quê? Eles dizem que são treinados para guerras maiores... Só se for com a Argentina... E também a gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Já imaginou a gente daqui a uns 10 anos? Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também umazinha, daquelas sujas mesmas, que cabem numa maleta... Já pensou? Ipanema radioativa?

Eu acho que ‘nóis’ vai virar países estrangeiros... Já imaginou: República do Alemão? Ou Estado do Jacarezinho? Gostou?

Olha, meu chapa, só generais saídos da favela, da lama, com a mesma fome de vida e morte, poderiam nos vencer... Nós saímos do lixo, não temos nada a perder... É isso aí... A bandidagem perdeu o respeito pela polícia... Agora, não tem mais jeito... Pra ganhar essa guerra, vocês têm de começar o Brasil de novo... Falei? - Falou...

Um comentário:

  1. Falou e disse. Pela primeira vez um comentário aproveitável. O Brasil, principalmente a cidade maravilhosa, é o país que ele descreveu.

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