Editorial - Estadão
Os recentes motins no Espírito Santo e no Rio de Janeiro mostraram ao País os perversos efeitos da paralisação de policiais militares. Ficou evidente a razão da proibição prevista no art. 142, § 3.º, IV da Constituição: “Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”. Paralisações de servidores armados colocam em risco bens essenciais à sociedade. Os episódios de greve de policiais militares, interrompendo serviços essenciais à população, serviram também para trazer à tona um tema conhecido, mas sempre adiado: a necessidade de regulamentar a greve no funcionalismo público. A Constituição Federal de 1988 previu o direito de greve na administração pública e estabeleceu que os termos e limites desse direito deveriam ser definidos em lei específica. Tal regulamentação, no entanto, nunca foi feita, numa clara manifestação da força das pressões do funcionalismo sobre o governo.
Diante desse quadro, foi muito oportuna a recente declaração do presidente Michel Temer em apoio à regulamentação do direito de greve do funcionalismo público, em especial ao projeto de lei do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) sobre o tema. “Eu sei, e todos sabemos, que o Supremo Tribunal Federal (STF), em vários momentos, já se manifestou sobre essa matéria em face, precisamente, da omissão, da não realização ou da não aprovação de um projeto disciplinador do texto constitucional”, disse Temer.
Na ocasião, o presidente frisou a diferença entre o direito de greve dos funcionários públicos e os motins dos policiais militares, proibidos pela Constituição. “O que lá houve (no Estado do Espírito Santo) foi na verdade uma insurgência contra o texto constitucional”, lembrou Temer.
A greve dos policiais militares é uma questão de aplicação da lei. No caso do funcionalismo público, ainda falta a lei. E tal ausência não se deu por escassez de projetos de lei sobre o assunto no Congresso. Entre 1999 e 2015, foram apresentados nada menos que 8 projetos no Senado e 15 na Câmara.
Diante da omissão legislativa, o Supremo Tribunal Federal, além de pedir várias vezes ao Legislativo que aprovasse uma lei regulamentando o tema, fixou jurisprudência no sentido de aplicar subsidiariamente ao setor público a Lei 7.783/89, que regulamenta a greve no setor privado. Ainda que essa lei estabeleça alguns limites para a suspensão do trabalho em setores estratégicos, a orientação do STF teve pouca valia, e os abusos permaneceram.
Setores do funcionalismo continuaram a promover irresponsáveis paralisações, aproveitando-se justamente do caráter essencial dos serviços que deviam prestar como forma de pressão para obter aumentos salariais. Trata-se de evidente abuso do direito de greve, deixando a população refém de uma determinada categoria profissional. Por exemplo, em 2016, uma greve dos peritos médicos deixou 1,3 milhão de trabalhadores aguardando a perícia do INSS e o recebimento de benefícios.
Se já era premente a necessidade de regulamentar o direito de greve do funcionalismo, agora, com a periclitante situação financeira dos Estados e municípios, o tema se torna ainda mais urgente. Seria um grave erro deixar a sociedade indefesa a pressões salariais de alguns setores do funcionalismo. Nesse sentido, pode ser conveniente o governo federal requerer urgência para a tramitação do projeto de lei do senador Aloysio Nunes.
Além de limitar a contagem do tempo de paralisação como de efetivo serviço, o projeto de lei exige a manutenção em atividade de 50% a 80% do total de servidores, desde, é claro, que possam fazer greve legalmente. O governo federal deseja ainda incluir no texto a punição ao servidor que impeça a prestação de serviço dos que não aderiram à greve – com bloqueios e piquetes, por exemplo – e a possibilidade do parcelamento de desconto dos dias parados.
Tais propostas são medidas mínimas de prudência, que evitam transformar o direito de greve numa perniciosa permissão para o caos social. Cabe ao Congresso a tarefa de fazer a devida distinção.
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