No blog Biblioteca Vertical - Estadão
Tivesse Belchior nascido na América do Norte e tido o inglês como idioma primário, hoje os jornais do mundo diriam que uma estrela do mesmo time de Van Morrison, James Taylor, Paul Simon e sim, Bob Dylan, se apagou – mas como ele mesmo vaticinou, um tango argentino lhe caía bem melhor que um blues, e o sonho e o sangue de Belchior permaneceriam, para sempre, na América do Sul. O que não lhe tira, em absoluto, nenhum valor.
Porque a América Latina era a ágora em que Belchior recitava sua poesia e filosofia. Intelectual, a reflexão muito particular o colocava num altar superior aos outros compositores de sua geração, nos incríveis anos 1970.
Em 1976, na primeira frase da obra-prima Alucinação, ele diz que era apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior. Estra, outra marca fundamental de suas letras, o terremoto que a mudança para a cidade grande causou na sua alma. Belchior registrou na sua poesia, de dicção própria, a migração urbana brasileira da década de 70, aspecto definidor do Brasil até hoje.
Especialmente nos cinco primeiro discos, gravados e lançados num intervalo curto de seis anos, Belchior legou ao Brasil algumas das mais belas palavras de toda a música popular que se fez por aqui – quem foi que escreveu palavras mais bonitas e mais conhecidas do que a letra de Como Nossos Pais? Não merecíamos, e talvez ele soubesse – por isso, escolheu sumir dentro do Brasil, e ontem aos 70 anos, pela última vez, desesperadamente gritou em português.
Tivesse Belchior nascido na América do Norte e tido o inglês como idioma primário, hoje os jornais do mundo diriam que uma estrela do mesmo time de Van Morrison, James Taylor, Paul Simon e sim, Bob Dylan, se apagou – mas como ele mesmo vaticinou, um tango argentino lhe caía bem melhor que um blues, e o sonho e o sangue de Belchior permaneceriam, para sempre, na América do Sul. O que não lhe tira, em absoluto, nenhum valor.
Porque a América Latina era a ágora em que Belchior recitava sua poesia e filosofia. Intelectual, a reflexão muito particular o colocava num altar superior aos outros compositores de sua geração, nos incríveis anos 1970.
Em 1976, na primeira frase da obra-prima Alucinação, ele diz que era apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior. Estra, outra marca fundamental de suas letras, o terremoto que a mudança para a cidade grande causou na sua alma. Belchior registrou na sua poesia, de dicção própria, a migração urbana brasileira da década de 70, aspecto definidor do Brasil até hoje.
Especialmente nos cinco primeiro discos, gravados e lançados num intervalo curto de seis anos, Belchior legou ao Brasil algumas das mais belas palavras de toda a música popular que se fez por aqui – quem foi que escreveu palavras mais bonitas e mais conhecidas do que a letra de Como Nossos Pais? Não merecíamos, e talvez ele soubesse – por isso, escolheu sumir dentro do Brasil, e ontem aos 70 anos, pela última vez, desesperadamente gritou em português.
Algumas letras inesquecíveis de Belchior.
Na Hora do Almoço (Mote e Glosa, 1974)
No centro da sala, diante da mesa,
No fundo do prato, comida e tristeza.
A gente se olha, se toca e se cala
E se desentende no instante em que fala.
Medo. Medo. Medo. Medo. Medo. Medo
Cada um guarda mais o seu segredo,
A sua mão fechada, a sua boca aberta
O seu peito deserta, sua mão parada,
Lacrada e selada,
E molhada de medo.
Pai na cabeceira: “É hora do almoço.”
Minha mãe me chama: “É hora do almoço.”
Minha irmã mais nova, negra cabeleira.
Minha avó me reclama: “É hora do almoço!”
Ei, moço!
E eu inda sou bem moço pra tanta tristeza.
Deixemos de coisas, cuidemos da vida,
Senão chega a morte ou coisa parecida,
E nos arrasta moço sem ter visto a vida
Ou coisa parecida, ou coisa parecida,
Ou coisa parecida, aparecida.
Ou coisa parecida, ou coisa parecida,
Ou coisa parecida, aparecida.
Não Leve Flores (Alucinação, 1976)
Não cante vitória muito cedo, não.
Nem leve flores para a cova do inimigo,
que as lágrimas do jovem
são fortes como um segredo:
podem fazer renascer um mal antigo.
Tudo poderia ter mudado, sim,
pelo trabalho que fizemos – tu e eu.
Mas o dinheiro é cruel
e um vento forte levou os amigos
para longe das conversas, dos cafés e dos abrigos,
e nossa esperança de jovens não aconteceu, não, não.
Palavra e som são meus caminhos pra ser livre,
e eu sigo, sim.
Faço o destino com o suor de minha mão.
Bebi, conversei com os amigos ao redor de minha mesa
e não deixei meu cigarro se apagar pela tristeza.
– Sempre é dia de ironia no meu coração.
Tenho falado à minha garota:
– Meu bem, é difícil saber o que acontecerá.
Mas eu agradeço ao tempo.
o inimigo eu já conheço.
Sei seu nome, sei seu rosto, residência e endereço.
A voz resiste. A fala insiste: você me ouvirá.
A voz resiste. A fala insiste: quem viver verá.
Pequeno Mapa do Tempo (Coração Selvagem, 1977)
Eu tenho medo e medo está por fora
O medo anda por dentro do teu coração
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião
Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão
Medo, medo. medo, medo, medo, medo
Eu tenho medo que Belo Horizonte
Eu tenho medo que Minas Gerais
Eu tenho medo que Natal, Vitória
Eu tenho medo Goiânia, Goiás
Eu tenho medo Salvador, Bahia
Eu tenho medo Belém, Belém do Pará
Eu tenho medo pai, filho, Espírito Santo, São Paulo
Eu tenho medo eu tenho C eu digo A
Eu tenho medo um Rio, um Porto Alegre, um Recife
Eu tenho medo Paraíba, medo Paranapá
Eu tenho medo Estrela do Norte, paixão, morte é certeza
Medo Fortaleza, medo Ceará
Medo, medo. medo, medo, medo, medo
Eu tenho medo e já aconteceu
Eu tenho medo e inda está por vir
Morre o meu medo e isto não é segredo
Eu mando buscar outro lá no Piauí
Medo, o meu boi morreu, o que será de mim?
Manda buscar outro, maninha, no Piauí
Sensual (Todos os Sentidos, 1978)
Quando eu cantar
quero ficar molhado de suor.
E por favor não vá pensar
que é só a luz do refletor.
Será minha alma que sua
sob um sol negro de dor;
outro corpo, a pele nua,
carne, músculo e suor.
Como um cão que uiva pra lua
contra seu dono e feitor;
uma fera-animal ferido
no dia do caçador;
humaníssimo gemido
raro e comum como o amor.
Quando eu cantar
quero lhe deixar
molhada em bom humor.
E por favor não vá pensar
que é só a noite ou o calor
Quero ver você ser
inteiramente tocada
pelo licor da saliva,
a língua, o beijo, a palavra.
Minha voz quer ser um dedo
na tua chaga sagrada.
Uma frase feita de espinho,
espora em teus membros cansados:
sensual como o espírito
ou como o verbo encarnado
Comentários a Respeito de John (com José Luiz Penna, Era uma Vez um Homem e Seu Tempo, 1979)
Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decido a minha vida.
Não preciso que me digam, de que lado nasce o sol
Porque bate lá o meu coração.
Sonho e escrevo em letras grandes de novo
pelos muros do país.
João, o tempo, andou mexendo com a gente sim.
John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente
Quente, quente…
Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decido a minha vida.
Não preciso que me digam, de que lado nasce o sol
Porque bate lá o meu coração.
Sob a luz do teu cigarro na cama,
Teu rosto rouge, teu batom me diz
João, o tempo andou mexendo com a gente sim
John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente.
Ouça aqui > Belchior: 10 sucessos ao vivo com apresentações do cantor cearense
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