Editorial - Estadão
O governo deixará de economizar R$ 18,6 bilhões ao longo de dois anos, se a reforma da Previdência ficar para depois das eleições de 2018, segundo estimativa do Ministério da Fazenda. A divulgação desse número pelo Estado lembra um fato importante, negligenciado com frequência, mas tão inexorável quanto a sucessão dos dias e das estações. Centenas de milhões de reais podem ser perdidos por mês, com o atraso na implantação da agenda de reformas, porque os problemas nacionais se acumulam e se agravam, enquanto o joguinho político entrava decisões essenciais. Ao mesmo tempo, as soluções necessárias se tornam mais complicadas e mais dolorosas. Congressistas parecem raramente se lembrar dessa realidade simples e incontornável. Curiosamente, os parlamentares se mostram muito conscientes de fatos semelhantes, quando se trata de sua saúde. Não deixam para mais tarde o exame ou o tratamento num hospital bem recomendado, de preferência algum dos mais famosos e mais caros de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Como as doenças graves, os desarranjos mais sérios da economia nacional tendem a se agravar quando tratados com desleixo. Isso é evidente quando se afrouxa ou se adia o combate à inflação, quando se menospreza o agravamento da situação cambial e também, é claro, quando se retardam os cuidados com um desajuste crescente das finanças públicas. No Brasil, muitos males corroem as contas de governo, e um dos mais severos é o descompasso cada vez mais visível entre receitas e despesas da Previdência Social.
O desafio previdenciário ocorre em muitos países, no mínimo por causa de mudanças demográficas. Enquanto aumenta a expectativa de vida e, como consequência, o período de aposentadoria, o contingente de trabalhadores ativos e contribuintes da Previdência tende a diminuir proporcionalmente. No Brasil esse desafio é especialmente importante, por causa da aposentadoria prematura de boa parte da população e de outros desacertos do sistema.
A estimativa de perdas com a demora na aprovação e na implantação da reforma previdenciária foi feita no Ministério da Fazenda por solicitação do Estado/Broadcast. Tomou-se como referência o texto da Proposta de Emenda à Constituição já aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Se a decisão final ficar para depois das eleições, haverá, segundo o cálculo, dano financeiro de R$ 4,8 bilhões em 2018 e de R$ 13,8 bilhões em 2019 (a preços de hoje).
Esses valores seriam a economia possível, no âmbito do INSS, nos próximos dois anos, se o novo sistema estivesse em vigor. Os números seriam diferentes, pode alguém argumentar, se fosse tomada como referência uma proposta menos ambiciosa que a aprovada na Comissão Especial da Câmara. Sim, mas a previsão de uma economia menor nesses dois anos, como consequência de mudanças mais limitadas, teria como contrapartida necessária a expectativa de um ajuste mais lento da Previdência ou de um desajuste financeiro mais prolongado.
Quanto menos ambiciosa a mudança, na fase inicial de implantação, maior e mais difícil o conserto necessário nos anos seguintes. Não há como escapar da escolha: acerto mais severo em menor prazo ou desarranjo maior, mais duradouro e mais difícil de reparar na segunda etapa.
Alguns envolvidos no debate, especialmente parlamentares, parecem raciocinar como se fosse possível suspender o tempo e congelar os problemas até a solução dos impasses políticos. É mais fácil encontrar realismo em filmes de ação: enquanto heróis e bandidos se enfrentam, o pavio da bomba continua queimando. Em geral, o mocinho consegue apagá-lo no último instante. Na vida real os fados são com frequência menos generosos.
Há outra forma, também muito comum, de negligenciar o risco. Pode-se negar, simplesmente, a existência do problema. Há quem negue o desajuste da Previdência, assim como há quem despreze, como o presidente Donald Trump, o efeito poluente do carvão. Nada há de surpreendente nessa afinidade espiritual.
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