“A prática dos exorcismos sempre existiu na Igreja e não se trata de novidade. O papa recomendou o que é uma prática consolidada na Igreja”, afirma o cardeal arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer. “A Igreja é muito prudente nessa matéria e, por isso, a prática do exorcismo precisa ser autorizada e encarregada por quem de direito.”
Há três meses, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou um subsídio próprio sobre o tema, orientando também que cada uma das 215 dioceses e 44 arquidioceses do País tenham um padre designado para a função. E não falta procura para o rito: segundo o Vaticano, em diversos países, a demanda tem aumentado a cada ano, ao ponto de alguns sacerdotes serem obrigados a fazer até 20 atos por dia na Itália.
Um dos argumentos apontados pela Igreja para o aumento da procura é o fato de que supostas cerimônias satânicas têm ganhado força, até pela proliferação de pessoas em contato com grupos por meio da internet. Soma-se a isso, na avaliação de religiosos, uma sociedade cada vez mais distante da fé e dos valores da Igreja Católica. O resultado: um número maior de pessoas possuídas, isto é, dominadas pelo demônio.
Em grande parte banido de homilias e discursos de papas nos últimos anos, o tema da presença demoníaca foi retomada por Francisco em 2013. Ele ainda adotou medidas que apontam para a aprovação desses atos e seu apoio à medidas de formação. Em 2014, por exemplo, reconheceu a Associação Internacional de Exorcistas, entidade que reúne 250 padres, espalhados por 30 países. A publicação da decisão em uma das edições do L'Osservatore Romano também foi considerada como uma chancela da Santa Sé. “O exorcismo é uma forma de caridade que beneficia aqueles que sofrem”, disse Francesco Bamonte, presidente da Associação de Exorcistas, ao jornal oficial do Vaticano.
Os gestos do papa já têm causado impactos reais. A Universidade Pontifícia Regina Apostolorum, ligada ao Vaticano, passou a promover um curso a cada ano, reunindo especialistas de todo o mundo. Igrejas da Espanha e Itália, apenas em 2017, teriam recrutado mais de 18 padres especialistas em exorcismo para ajudar nos trabalhos. Na Polônia, a formação de jovens já permitiu que um total de 130 padres prestem esses serviços.
Na maior diocese do mundo em número de paróquias, a de Milão, foi criado um número de telefone direto diante da demanda que a Igreja passou a receber. Desde 2012, o número de exorcistas passou de seis para 12. No mesmo período, a demanda por esses atos também dobrou.
Psicológico ou real? Dentro do próprio Vaticano, as estimativas apontam que apenas 1% dos casos avaliados acaba tendo um diagnóstico de que, de fato, se precisa passar por um ato exorcista – ou seja, desconfia-se da presença do diabo. Mesmo entre os religiosos católicos, é comum se referir à possessão como um fenômeno raro. Dentre os sacerdotes ouvidos pelo Estado, o padre Pedro Paulo Alexandre, exorcista oficial da diocese de Florianópolis, é o que declara ter encarado o demônio por mais vezes: cerca de 30, em dois anos.
Segundo ele, a eficiência de um exorcismo depende da crença do atendido. O tempo de resposta também pode variar, indo de um dia a décadas. “O padre Gabriele Amorth (italiano, referência mundial no tema, morto em setembro) dizia que é a pessoa que se liberta. Ele apenas ajuda.”
Mal foi ordenado exorcista da diocese de Brasília, em 2012, o padre Vanilson Silva, de 48 anos, começou a se deparar com filas em frente da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Segundo ele, as notícias de que havia um padre que expulsava o demônio correram rápido pela cidade, chegando a outros Estados no decorrer dos anos. Por isso, o jeito foi criar uma agenda, com cerca de cem atendimentos mensais, e uma lista de espera, que no dia 14, reunia 102 nomes, o que ainda motivou o fim dos agendamentos. “Recebo gente de tudo o que é lugar, mas o exorcismo é muito raro.”
Ele explica que a duração do atendimento vai de 20 minutos a mais de uma hora. O tempo varia de acordo com a gravidade dos casos, que, se constatada a natureza sobrenatural, podem ser de opressão, no qual o demônio estaria próximo da pessoa, e de possessão, quando dominaria o corpo dela. O primeiro passo é conversar com o atendido, para conhecer os sintomas e o histórico comportamental da pessoa. “Sempre tem uma relação espiritual. O demônio se aproxima apenas se for aberta uma brecha”, diz. “A maioria só tem um contato com o mal porque não se cuida suficientemente. Onde Jesus está, o demônio não está.”
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