Editorial - Folha de SP
Contra o desejo de expressiva maioria da população (65%, segundo pesquisa do Datafolha), a Câmara dos Deputados garantiu a permanência de Michel Temer (PMDB) na Presidência. Recusou-se a levar em consideração os vívidos indícios de seu envolvimento no episódio da propina entregue por representantes do grupo JBS a um nome de sua confiança, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.
Por grave que seja o afastamento de um chefe de governo —no caso em questão, por até seis meses—, seria esta a consequência a esperar de uma denúncia que, embora não conclusiva, trazia elementos suficientes de plausibilidade e de fundamentação factual.
Fez-se pouco da regra republicana básica que estipula ser a lei igual para todos. Agiu-se, como não é exceção no Congresso brasileiro, a reboque das conveniências fisiológicas e de intensas e dispendiosas negociações de bastidores, em descompasso com o sentimento majoritário da sociedade.
Às voltas, em muitos casos, com suas próprias dificuldades na Justiça por suspeita de corrupção, deputados da base parlamentar certamente se congregaram, num movimento quase de autodefesa.
É verdade que não se tratava de decisão simples, e considerações menos rasteiras podem ter exercido influência entre alguns dos 263 deputados que se pronunciaram contra a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República.
A administração Michel Temer conseguiu resultados expressivos no controle da inflação, favoreceu sinais incipientes de recuperação da atividade econômica e, sobretudo, vê-se empenhada na consecução de um programa de reformas, em linhas gerais correto, dos sistemas trabalhista e previdenciário.
Embora patente a sua rejeição, não chegou a motivar na opinião pública o ativismo oposicionista que, contra o malogro da gestão Dilma Rousseff (PT), levou milhões de cidadãos às ruas.
As forças que combatem Temer, no Congresso e na sociedade, mostram-se divididas e atônitas, tanto mais porque a perspectiva de um eventual afastamento do presidente abriria apenas um interregno pouco entusiasmante com Rodrigo Maia (DEM-RJ) no Planalto.
Consolida-se, assim, uma espécie de "impopularidade de resultados" sob as habilidosas mãos do presidente —e não será surpresa se este vier a se fortalecer politicamente.
Com perdão do lugar-comum, diga-se que a vida continua.
Continua, com seus escândalos e denúncias, nada fazendo crer que se caminhe para o fim das investigações. Com a perspectiva de reformas econômicas importantes e de uma lenta recuperação. Com o crescente alheamento entre eleitores e seus representantes.
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