Editorial - Folha de SP
Considerada a realidade do sistema penitenciário brasileiro, o empresário Jacob Barata Filho pode julgar-se indivíduo de sorte. Detido no dia 2 de julho em mais uma fase da Lava Jato, o famigerado Rei do Ônibus permaneceu menos de dois meses atrás das grades. De acordo com os investigadores, a prisão provisória era necessária não só para frustrar planos de fuga mas também para interromper o ciclo de pagamento de propinas e garantir o levantamento de provas sobre ilegalidades no sistema de transporte coletivo do Rio.
Os argumentos convenceram o juiz Marcelo Bretas e os desembargadores Abel Gomes e Paulo Espírito Santo (do Tribunal Regional Federal da 2ª Região), mas não Gilmar Mendes. O ministro do Supremo Tribunal Federal concedeu a Barata nada menos do que duas ordens de soltura, uma no dia 17, outra no dia 18 deste mês.
O Rei do Ônibus aguardará seu julgamento em prisão domiciliar, um benefício constantemente negado a dezenas de milhares de pessoas acusadas dos mais diversos crimes. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, há no país pelo menos 221 mil presos provisórios, um terço da massa carcerária brasileira.
Consequência do descaso das autoridades, essa situação agrava o caos penitenciário e constitui uma das razões para rebeliões e massacres como os do começo do ano.
O mesmo estudo indica que, no Rio, os presos provisórios (23 mil) representam quase a metade do total (51 mil) de encarcerados do Estado -e que eles, em média, aguardam julgamento por pouco mais de um ano (375 dias) atrás das grades (a média nacional é de 368 dias).
Médias, como se sabe, ocultam as particularidades de cada caso. Num processo penal, existem diferenças relativas ao tipo de crime e à qualidade do advogado contratado, para ficar em dois exemplos. Isso faz parte do jogo. O que não faz, ou não deveria fazer, são os laços entre acusado e julgador.
Entre outros fatos que atestam proximidade desconfortável está o casamento do sobrinho da mulher de Gilmar Mendes com a filha de Barata. Na cerimônia, o ministro acompanhou a esposa, madrinha .
Nada impede, de um ponto de vista objetivo, que Gilmar Mendes atue nesse processo. Sua relação com o Rei do Ônibus, contudo, torna legítimo desconfiar de decisões favoráveis ao empresário. A Justiça, como todo ministro do STF sabe, também vive de simbolismos.
Abalar a reputação do Judiciário seria um desserviço em qualquer democracia, mas é ainda mais grave num país onde os demais Poderes já vivem momento de descrédito -e cujo sistema prisional reserva mais rigor a uns do que a outros.
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