Editorial - Estadão
Na sexta-feira passada, houve no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) uma sessão um tanto incomum. Ao tomar posse como juiz efetivo do tribunal eleitoral, o desembargador federal Fábio Prieto, ex-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3.ª Região, proferiu um discurso forte contra a sindicalização da magistratura, um tema considerado tabu dentro do Judiciário. Depois, em entrevista ao Estado, o desembargador voltou a falar na necessidade de “superar o modelo corporativo-sindical de Justiça no Brasil”. Segundo Fábio Prieto, faz-se necessária uma reforma da reforma do Judiciário. Apesar da boa-fé de quem promoveu a reforma de 2004, ela não apenas foi incapaz de vencer os males do patrimonialismo, do clientelismo, do assembleísmo corporativo e da burocratização, como “contribuiu muito para reforçá-los”, disse o novo juiz do TRE. A título de exemplo, o desembargador citou a estrutura de controle do Judiciário, com seus quatro conselhos – Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho da Justiça Federal (CJF), Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “O modelo com quatro conselhos é desperdício de dinheiro público”, disse.
“Somados os quatro conselhos de Justiça, o Brasil deve ter um dos maiores e mais caros sistemas de controle e fiscalização judiciária do mundo. Com tal fragmentação, os órgãos são necessariamente disfuncionais, com decisões contraditórias e inconciliáveis”, afirmou Fábio Prieto. O resultado é claro: “Passados 13 anos, com custos econômicos astronômicos, estes conselhos não zelaram, sequer, pela fixação do teto salarial”, disse o ex-presidente do TRF da 3.ª Região. Para desfazer qualquer dúvida sobre a origem do problema, acrescentou: “A composição dos conselhos é vulnerável ao corporativismo”.
Além da estrutura de controle cara e disfuncional, Fábio Prieto denunciou a prática da sindicalização da magistratura, “um vício novo e extremamente perigoso para a sociedade brasileira”. “A Reforma de 2004 reproduziu, no Judiciário, o modelo sindical brasileiro, cartorial e indutor de lideranças medíocres, incapazes de formular uma proposta séria e aceitável de sistema de justiça.” Raro nas altas esferas do Judiciário, o diagnóstico é também preciso, mostrando os efeitos perversos desse mal que tanto avançou na última década sobre a magistratura.
“A pior, e mais perigosa, demagogia foi operada com o assembleísmo corporativo vestindo a pele da democracia”, afirmou o desembargador. “Algumas associações assumiram discurso de sindicato. Há presidentes de associações dando palpite sobre tudo. Ora, é proibido ter sindicalização de juiz”, disse Fábio Prieto ao Estado. “O juiz não pode estar gritando sobre o que o deputado está fazendo, sobre o que o empresário está fazendo, sobre o que o jornalista está fazendo. Esse não é o nosso papel.”
É cada vez mais rara essa consciência sobre os diferentes papéis institucionais numa sociedade democrática. Tornou-se habitual confundir democracia com ativismo e indiferença aos limites institucionais, sem atinar para o fato de que um Estado Democrático de Direito exige estrito respeito às esferas de atuação de cada instituição. “O juiz tem de fazer sentença, e o desembargador tem de fazer voto. É essa a nossa função”, disse Fábio Prieto na entrevista. No entanto, “há juízes que não fazem uma sentença há cinco, dez anos. Vivem de sinecura em sinecura”.
Longe de proteger a democracia, o corporativismo dos juízes é um perigo para o bom funcionamento das instituições. “O Judiciário e as Forças Armadas são as chamadas instituições garantidoras de última instância do próprio sistema democrático. É por isto que não há democracia interna nos tribunais e nos quartéis. (...) É grave e distinta a responsabilidade social, com a democracia, destes profissionais públicos”, disse o novo juiz do TRE.
Corajoso, esse bom senso anda fazendo falta ao País e à magistratura, cuja expressiva maioria de juízes sérios e trabalhadores não é representada pelo corporativismo espalhafatoso de algumas associações.
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