Personagens femininas são sempre importantes na sua
obra, mas houve, em 'A Força do Querer', um rol grande de mulheres em
destaque. Foi intencional?
Essa novela foi pensada para ter três protagonistas (Bibi, Jeiza e Ritinha), então elas tinham de ser muito fortes.
E o restante do elenco feminino foi crescendo pela interpretação das atrizes ou as personagens foram se desenvolvendo?
Com certeza. Quero dizer que a trama gira em torno de três personagens.
E a Ritinha (Isis Valverde) é o eixo da história, é em torno dela que
todas as outras histórias se formam. Quando começa a trama, tudo o que
se desenrola é porque ela provoca essa cisão entre o Ruy (Fiuk) e o Zeca
(Marco Pigossi). Geralmente, minhas novelas são protagonizadas por
mulheres, é uma coisa minha mesmo.
Você usa muito Twitter. A audiência ainda é
fator fundamental como termômetro, mas como a rede social mostra para
você a reação do público? E isso interferiu em algum caminho a seguir?
Continuo achando que a repercussão das ruas é mais verdadeira, mais
real. Na rede social, o Twitter especialmente, você tem muita
panfletagem e campanha, então ali você precisa ter muito filtro, para
saber o que deve ouvir e levar em conta e o que não deve levar. A gente
sempre escuta o público, mas não é para mudar a história. Se o público
não está entendendo o que você está querendo dizer, você diz diferente,
mas para chegar no mesmo lugar que estava planejado. Se você for seguir a
imaginação do público... Leio cada coisa no Twitter. Claro que, em
todas as redes, você pode ouvir várias coisas interessantes, até
críticas bem fundamentadas.
E, dessas críticas, o que lembra ter levado em consideração?
Por exemplo, percebi num determinado momento que pessoas mais jovens
estavam antipatizando com Joyce (Maria Fernanda Cândido), não estavam
compreendendo o que ela estava passando. Quem é filho se põe na posição
do filho. Percebi que uma determinada faixa estava não antipatizando com
a personagem nem desvalorizando a personagem ou a atriz, mas
antipatizando com as atitudes da personagem em relação à filha, a não
aceitação (de ela ser trans). Então, você vê isso e diz: chegou o
momento de fazer a Joyce explicar melhor o que ela está sentindo, quando
você sente que isso não vem de uma pessoa só. Fiz isso, e esse mesmo
grupo de garotada que estava com raiva da Joyce está morta de pena dela.
É nesse sentido que o público interfere: não de mudar a história, mas
de construir, de desviar o olhar para onde você quer.
Ao tratar de um personagem transgênero como
Ivana/Ivan (Carol Duarte), a ideia era promover o debate. Como você viu a
reação do público em geral?
O resultado final
foi surpreendente e maravilhoso, porque as pessoas realmente acolheram
Ivana/Ivan. Óbvio que era uma personagem muito cuidadosa. Não só eu
construir muito bem a história, como uma atriz que contasse para o
público essa história, com uma direção, um figurino, uma caracterização.
Exigiu muito de todos nós que isso fosse passado com verdade. E o
segredo foi criar primeiro uma empatia dela com o público. Não é que ela
chegou e disse ‘sou trans, mamãe, sou um menino’. Não, busquei um ponto
de partida que fosse comum a todas as pessoas, algo que todo mundo já
tenha vivido em algum momento da vida. Alguma coisa a ver com a
identidade. Nem que seja na adolescência, as pessoas se perguntaram
‘quem eu sou’, ‘como é que eu sou’, ou ‘estou insatisfeito com minha
aparência’. Parti de um sentimento, de uma sensação mais universal para
começar a criar essa empatia, para depois mostrar qual era o problema
particular da Ivana. Daí o público já tinha criado com ela uma empatia.
Até pessoas muito conservadoras já estavam tão angustiadas com o
sofrimento dela que queriam que ela fosse feliz do jeito que fosse.
Aliás, como chegar a esse tipo de público mais conservador?
É criando essa empatia. Estive em Belém e um garoto veio falar comigo.
Ele era gay e disse que o avô era militar e não falava com ele, tinha
rejeição. Depois, ele recebeu um telefonema do avô dizendo que estava
vendo a novela e que gostaria de conversar com ele. São coisas que mudam
uma vida, que chegam a tocar a existência real das pessoas.
Houve quem reclamasse que a personagem Bibi coloca em evidência uma ex-mulher de traficante que existiu na vida real.
Comprei o livro dela, queria fazer uma minissérie com esse livro. Não
acho que seja dar cartaz a uma pessoa, até porque é um livro de uma
pessoa que faz uma autocrítica. Achei interessante mostrar esse ponto de
vista, que ainda não tinha sido mostrado. O deslumbramento que o
tráfico, que esse universo exerce sobre pessoas, existem milhares de
Bibis. Então, isso não me incomoda em nada, acho uma maneira pequena de
enxergar as coisas. E acho que tem um pouco de machismo embutido nisso,
porque vejo que as mesmas pessoas que querem a guilhotina para a Bibi me
escrevem também pedindo para soltar o Sabiá (Jonathan Azevedo). O Sabiá
é o chefe do tráfico, a Bibi não matou ninguém. É uma mulher que está
deslumbrada, apaixonada. E todos querem o Sabiá na rua e a Bibi presa?
Os temas são também parte importante de sua obra. Existe ainda algum tema tabu quando se pensa em novela?
Lógico que existem temas que são complicados para colocar numa novela,
porque, quando você fala numa TV aberta, tem que pegar a média do grande
público. Se você quer falar para todo mundo, para as pessoas dos mais
diferentes credos religiosos, das mais diferentes vertentes, tem que
encontrar uma média. Você pode tratar de todos os temas, mas tem de
encontrar o tom certo de tratá-los.
Então, não existe assunto que não pode ser tratado, mas como ele vai ser tratado.
Acredito que sim, mas hoje estamos vivendo uma época em que tudo se
polemiza. Você vê que até essa história da Bibi é polemizada. Amanhã, se
você for fazer Lampião e Maria Bonita, vai aparecer quem diga que está
fazendo elogio do cangaço. As pessoas têm o microfone na mão e precisam
dizer qualquer coisa, querem ter opinião. A gente vive essa época, todo
mundo tem uma opinião e quer impor a opinião. Então, vão tentar criar
polêmicas sempre.
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