Por Flávio Tavares, jornalista, escritor e professor na Universidade de Brasília
A inocência da ilusão é o oposto da maldade do engano, mas ambas convergem na fantasia ou na mentira. São primas, compõem a mesma família e transmitem entre si os mesmos genes, algo que o quadro partidário do Brasil torna cada vez mais atual.
A condenação do ex-presidente Lula da Silva é apenas o exemplo mais gritante e dolorido de como a ilusão em busca do paraíso se transforma na enganosa maçã que a astuta serpente deu a Eva e Adão comeu. A corrupção transborda desde a época de Ademar de Barros, mas eram outros tempos, em que não víamos o que era visível.
A longa ditadura imposta pelo golpe direitista de 1964 nos fez distinguir as cores. Quando veio a redemocratização, os olhos ainda ofuscados pela escuridão, nós nos iludimos pelo clarão da palavra surgida das trevas ditatoriais. Em 1988 Fernando Collor venceu a primeira eleição presidencial, com Lula em segundo lugar. O partido de Collor, feito às pressas, desmobilizou-se em seguida, como papelão desfeito na chuva. Mas o PT de Lula dizia-se novo, diferente, com uma visão independente de esquerda, e, pouco a pouco, sensibilizou diferentes áreas.
Boa parte da intelectualidade babou-se de ardor pela fala direta do sindicalista. Não importava que só falasse em salários, não naquilo que produz salários. Ou que visse o superficial como fundamental e não se interessasse por novo modelo de Estado e de política. Afinal, numa República de bacharéis e doutores ou de generais ditadores, ele viera de baixo e teria vivência daquilo que os demais sabiam só em teoria...
Havia anos, porém, o torneiro mecânico em torno de quem foi feito o Partido dos Trabalhadores já não trabalhava. Falava e discursava. Era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, remunerado, mas sem trabalhar. Assim, no início da “abertura” fez greves salariais e tornou-se herói. O lado visível de lutador aguerrido ocultava o “Barba”, cognome de informante do Dops, a polícia política que o delegado Romeu Tuma dirigia com prepotente (mas hábil) mão de ferro em São Paulo, na ditadura. (Décadas depois, no livro Assassinato de Reputações – um Crime de Estado, Romeu Tuma Júnior contou por que o então presidente Lula o tornou secretário nacional de Justiça: foi por gratidão ao pai.)
Já despontavam as faces que fariam de Lula um dirigente político respeitado pelos adversários e amado pelos militantes ou eleitores do PT. No quadro pós-ditadura, o PT mostrava-se diferente na constelação de partidos, em que se amontoavam políticos da ditadura (sobreviventes da Arena e do MDB) ou anteriores ao golpe de 1964, como Tancredo Neves, Leonel Brizola e Franco Montoro. O PT não seguia doutrina alguma, era neutro, nem de esquerda nem de direita, mas reivindicava em nome dos trabalhadores. Assim surgiu a aura de que era “a nova esquerda”, a estrela a resolver tudo o que não fora visto por nenhum governo.
O PT de Lula era Pedro Álvares Cabral redescobrindo o Brasil. Tudo surgia dele e tudo nascia com o PT. A megalomania não foi vista como defeito, mas como pendor para mudar o País. No poder, porém, a mudança de Lula e do PT foi assimilar os piores defeitos daquilo que diziam combater. Viraram espelho e guia dos vícios dos partidos anteriormente no poder e aprimoraram a velha politicalha endêmica da corrupção.
O “mensalão” foi a mostra inicial da ilusão, mas ainda sem revelar aos eleitores do PT que ali estava também o engano. Na boa-fé, aceitaram que Lula “não sabia de nada”. Ali apareceu, porém, a sordidez do sistema em que o partido no poder aluga os opostos (PMDB, PP, PTB e outros), numa prostituição escancarada que faz amor no Congresso, à vista de todos.
De fato, Lula copiou e aprimorou o “mensalão” do PSDB em Minas Gerais e o expandiu, tal qual fez também com o “petrolão”. Dias atrás, em entrevista à imprensa, o ex-deputado Pedro Corrêa, ex-presidente nacional do PP, confessou sem rodeios nem receios que participou de tramoias corruptas nos 30 anos de sua vida parlamentar. Hoje em prisão domiciliar, Corrêa fez a delação premiada que desnudou a rede bilionária que o PP comandou na Petrobrás durante o governo Lula. Agora revelou que nos governos anteriores a propina ficava com a área técnica e com os “donos” dos partidos, mas com Lula tudo “se abriu e se democratizou”...
A Lava Jato fez a ilusão se mostrar como engano e chegamos aos dias atuais. Um ex-presidente da República (do PT) condenado à prisão e o atual, Michel Temer, do MDB, investigado por corrupção pela terceira vez desde que assumiu. Agora com um detalhe horripilante: a Polícia Federal afirma “ser necessário” quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico de Temer por causa dos favorecimentos milionários a empresas portuárias.
Dos R$ 57 milhões em cédulas nas malas do assessor e homem de confiança de Temer à naturalidade com que o presidente da República se exibe em meio aos gritos do Ratinho na TV, parece até que o carnaval passou ao dia a dia da política. A fantasia maior só não ficou com Lula porque lhe cassaram o passaporte e não pôde ir à reunião da União Africana, “contra a corrupção”, na Etiópia. Lá seria hóspede do primeiro-ministro Hailemariam Desalegn Boshe, que matou mil opositores nos últimos 16 meses e trancafiou outros 21 mil em campos de trabalho forçado.
Talvez por isso um dos fundadores do PT, o ex-ministro da Justiça e da Educação e ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, tenha afirmado à imprensa, em Lisboa, que “Lula nunca foi de esquerda”. E explicou: “Lula nunca foi de esquerda no sentido histórico de romper estruturas e levar outro grupo social ao poder. Isto estava apenas nos manifestos formais. Na história do PT”.
Será o sinal de que, mais do que ilusão ou fantasia, tudo foi engano e enganoso?
A inocência da ilusão é o oposto da maldade do engano, mas ambas convergem na fantasia ou na mentira. São primas, compõem a mesma família e transmitem entre si os mesmos genes, algo que o quadro partidário do Brasil torna cada vez mais atual.
A condenação do ex-presidente Lula da Silva é apenas o exemplo mais gritante e dolorido de como a ilusão em busca do paraíso se transforma na enganosa maçã que a astuta serpente deu a Eva e Adão comeu. A corrupção transborda desde a época de Ademar de Barros, mas eram outros tempos, em que não víamos o que era visível.
A longa ditadura imposta pelo golpe direitista de 1964 nos fez distinguir as cores. Quando veio a redemocratização, os olhos ainda ofuscados pela escuridão, nós nos iludimos pelo clarão da palavra surgida das trevas ditatoriais. Em 1988 Fernando Collor venceu a primeira eleição presidencial, com Lula em segundo lugar. O partido de Collor, feito às pressas, desmobilizou-se em seguida, como papelão desfeito na chuva. Mas o PT de Lula dizia-se novo, diferente, com uma visão independente de esquerda, e, pouco a pouco, sensibilizou diferentes áreas.
Boa parte da intelectualidade babou-se de ardor pela fala direta do sindicalista. Não importava que só falasse em salários, não naquilo que produz salários. Ou que visse o superficial como fundamental e não se interessasse por novo modelo de Estado e de política. Afinal, numa República de bacharéis e doutores ou de generais ditadores, ele viera de baixo e teria vivência daquilo que os demais sabiam só em teoria...
Havia anos, porém, o torneiro mecânico em torno de quem foi feito o Partido dos Trabalhadores já não trabalhava. Falava e discursava. Era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, remunerado, mas sem trabalhar. Assim, no início da “abertura” fez greves salariais e tornou-se herói. O lado visível de lutador aguerrido ocultava o “Barba”, cognome de informante do Dops, a polícia política que o delegado Romeu Tuma dirigia com prepotente (mas hábil) mão de ferro em São Paulo, na ditadura. (Décadas depois, no livro Assassinato de Reputações – um Crime de Estado, Romeu Tuma Júnior contou por que o então presidente Lula o tornou secretário nacional de Justiça: foi por gratidão ao pai.)
Já despontavam as faces que fariam de Lula um dirigente político respeitado pelos adversários e amado pelos militantes ou eleitores do PT. No quadro pós-ditadura, o PT mostrava-se diferente na constelação de partidos, em que se amontoavam políticos da ditadura (sobreviventes da Arena e do MDB) ou anteriores ao golpe de 1964, como Tancredo Neves, Leonel Brizola e Franco Montoro. O PT não seguia doutrina alguma, era neutro, nem de esquerda nem de direita, mas reivindicava em nome dos trabalhadores. Assim surgiu a aura de que era “a nova esquerda”, a estrela a resolver tudo o que não fora visto por nenhum governo.
O PT de Lula era Pedro Álvares Cabral redescobrindo o Brasil. Tudo surgia dele e tudo nascia com o PT. A megalomania não foi vista como defeito, mas como pendor para mudar o País. No poder, porém, a mudança de Lula e do PT foi assimilar os piores defeitos daquilo que diziam combater. Viraram espelho e guia dos vícios dos partidos anteriormente no poder e aprimoraram a velha politicalha endêmica da corrupção.
O “mensalão” foi a mostra inicial da ilusão, mas ainda sem revelar aos eleitores do PT que ali estava também o engano. Na boa-fé, aceitaram que Lula “não sabia de nada”. Ali apareceu, porém, a sordidez do sistema em que o partido no poder aluga os opostos (PMDB, PP, PTB e outros), numa prostituição escancarada que faz amor no Congresso, à vista de todos.
De fato, Lula copiou e aprimorou o “mensalão” do PSDB em Minas Gerais e o expandiu, tal qual fez também com o “petrolão”. Dias atrás, em entrevista à imprensa, o ex-deputado Pedro Corrêa, ex-presidente nacional do PP, confessou sem rodeios nem receios que participou de tramoias corruptas nos 30 anos de sua vida parlamentar. Hoje em prisão domiciliar, Corrêa fez a delação premiada que desnudou a rede bilionária que o PP comandou na Petrobrás durante o governo Lula. Agora revelou que nos governos anteriores a propina ficava com a área técnica e com os “donos” dos partidos, mas com Lula tudo “se abriu e se democratizou”...
A Lava Jato fez a ilusão se mostrar como engano e chegamos aos dias atuais. Um ex-presidente da República (do PT) condenado à prisão e o atual, Michel Temer, do MDB, investigado por corrupção pela terceira vez desde que assumiu. Agora com um detalhe horripilante: a Polícia Federal afirma “ser necessário” quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico de Temer por causa dos favorecimentos milionários a empresas portuárias.
Dos R$ 57 milhões em cédulas nas malas do assessor e homem de confiança de Temer à naturalidade com que o presidente da República se exibe em meio aos gritos do Ratinho na TV, parece até que o carnaval passou ao dia a dia da política. A fantasia maior só não ficou com Lula porque lhe cassaram o passaporte e não pôde ir à reunião da União Africana, “contra a corrupção”, na Etiópia. Lá seria hóspede do primeiro-ministro Hailemariam Desalegn Boshe, que matou mil opositores nos últimos 16 meses e trancafiou outros 21 mil em campos de trabalho forçado.
Talvez por isso um dos fundadores do PT, o ex-ministro da Justiça e da Educação e ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, tenha afirmado à imprensa, em Lisboa, que “Lula nunca foi de esquerda”. E explicou: “Lula nunca foi de esquerda no sentido histórico de romper estruturas e levar outro grupo social ao poder. Isto estava apenas nos manifestos formais. Na história do PT”.
Será o sinal de que, mais do que ilusão ou fantasia, tudo foi engano e enganoso?
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