Por Eliane Cantanhêde - Estadão
Não bastasse seus ministros, assessores, operadores e amigos fazendo fila diante da cadeia, o presidente Michel Temer ainda é obrigado a engolir a provocação do ex-procurador geral da República Rodrigo Janot: “Começou?”. Não, não começou, apenas continuou o cerco a Temer e a (quase) todos os homens do presidente. O grande risco é uma terceira denúncia da PGR na reta final do governo. Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves têm vínculos partidários com Temer, mas os presos de ontem, o coronel João Baptista Lima e o advogado José Yunes, têm outro status nas relações presidenciais: eles são do grupo pessoal, como foi Rodrigo Rocha Loures, o assessor da mala de R$ 500 mil.
Além disso, o alvo é o Porto de Santos, que paira sobre a longeva carreira política de Temer, deputado federal durante décadas e presidente da Câmara três vezes. Esse fantasma começa a se materializar com o pedido de prisão dos amigos feito pela procuradora-geral Raquel Dodge e autorizado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso – que já tinha mandado quebrar o sigilo bancário do presidente da República.
Assim, Temer se lança candidato à sucessão, mas deve se dar por satisfeito se chegar inteiro até a eleição e passar o bastão para o sucessor no ano que vem. Serão longos oito meses com as notícias sobre o Porto de Santos e o “Quadrilhão do MDB” borbulhando, mas amortecidas pelo foro privilegiado. E depois do fim do mandato? Temer vai no mesmo o caminho do ex-presidente Lula, de processo em processo?
Até lá, o foco dele será se manter vivo e com o governo funcionando. A intervenção no Rio ainda não mostra resultados e o cérebro da economia, Henrique Meirelles, deixa a Fazenda e filia-se ao MDB na próxima semana, tentando viabilizar uma difícil candidatura à Presidência. O mercado não gostou da brincadeira. Sente firmeza em Meirelles como ministro, mas não nas chances eleitorais dele.
O dólar sofreu um solavanco, enquanto o desemprego continua resistente e inclemente. Logo, Temer seguiu a sugestão de Meirelles e nomeou o seu segundo, Eduardo Guardia, para a Fazenda. Uma sinalização de continuidade e um gesto de prudência que devem prevalecer também, por exemplo, na sucessão no BNDES.
O padrão será o mesmo para a reposição de ministros que se desincompatibilizarão até 7 de abril, mas não para sinalizar continuidade ao mercado ou à sociedade, mas para não melindrar os partidos aliados ao governo, que não têm mais utilidade para a reforma da Previdência, mas podem ser vitais numa eventual terceira denúncia da PGR. O PTB tinha e tem o Ministério do Trabalho.
O PP, o da Saúde. O PR, o dos Transportes. Tudo muda, mas nada muda.
O sonho, ou estratégia, de lançar a candidatura de Temer em outubro ruiu de vez com a prisão dos homens fortes do presidente, envolvidos justamente com o Porto de Santos. Se foi sonho, foi um sonho de verão. O verão acabou, veio o outono e Temer nem consegue manter-se candidato, nem tem um candidato para chamar de seu.
Meirelles? Rodrigo Maia? Possivelmente nem eles mesmos acreditem em suas chances e não é absurda a hipótese de acabarem disputando, entre eles, a vaga de vice do tucano Geraldo Alckmin, tendo como padrinho o próprio Temer.
Esse jogo se arrasta além do razoável, com Temer tremendo diante da Justiça e seus presidenciáveis sem sair do lugar. Enquanto isso, os ovos, pedradas e tiros na caravana de Lula no Sul acabaram por acentuar a polarização entre a esquerda, que voltou a se reunir em torno dele, e a direita, que tenta atrair todo o resto. Quanto mais Lula e Jair Bolsonaro trocam acusações e ofensas, mais ocupam espaço na mídia e cristalizam seus nomes no eleitorado. Uma guerra horrenda.
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